É preciso mudar a relação dos clubes com as organizadas

Dentro e fora dos estádios, torcidas organizadas continuam causando problemas - que não se resumem a brigas



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Durante o Flamengo x São Paulo de ontem, pela Taça São Paulo, cenas lamentáveis foram mostradas na televisão de confrontos de membros de torcidas organizadas. Houve brigas entre torcidas do Flamengo, entre torcida do Flamengo e torcida do São Paulo, entre todos esses e polícia... O diabo. E, em matéria da ESPN, a gente descobre que o problema começou antes mesmo do jogo, com organizada do Flamengo sofrendo emboscada armada por torcida do São Paulo. É o tipo de coisa que acontece toda hora, com torcidas de tudo que é clube.

As organizadas fazem parte da festa do futebol. As bandeiras, os mosaicos, os fogos, o papel picado - tudo isso vem deles, e todo mundo gosta de ver e elogiar. Além disso, muitos dos integrantes são realmente dos consumidores mais fiéis dos clubes, comparecendo a tudo que é jogo, mesmo aqueles que ninguém quer ir. Tudo isso deveria ser levado em conta por uma diretoria profissional: membros de torcidas organizadas têm muitas características que poderiam levá-los a serem considerados clientes VIPs.

Mas já passou da hora desta relação ser refeita. Hoje, as organizadas têm suas vantagens basicamente com todos os clubes - com alguns, conseguem ingressos grátis; com outros, descontos; com quase todos (se não todos), ao menos facilidades para comprar os ingressos. Só que isso é feito de maneira nebulosa, sem qualquer transparência; ninguém sabe exatamente que vantagens eles têm, com quem conseguem, como conseguem, em troca do quê.

Dentro dos clubes, dirigentes e até jogadores usam esta obscura troca de favores para fazerem das organizadas instrumentos de pressão por causas as mais diversas - pode ser a barração de um jogador que desagrada por um motivo qualquer, a demissão de um técnico ou até mesmo a desestabilização do trabalho de algum diretor. Enquanto isso, as organizadas não só começam a ter seus próprios interesses políticos e financeiros, como ainda usam as vantagens que recebem para fins que prejudicam o clube - como revender as entradas com lucro, como cambistas.

Ou, é claro, dar acesso aos estádios a verdadeiros marginais, que acabam se tornando uma das principais razões para afastar torcedores "comuns" dos jogos.

Não sou a favor de simplesmente proibir a existência das torcidas organizadas. Isso inclusive já foi tentado por autoridades aqui e ali, e simplesmente não aconteceu. Mas é hora dos clubes mudarem o jeito de se relacionar com elas.

Que se institucionalize a relação. As torcidas não devem falar com diretor A ou gerente B, e sim com o clube, que precisa ter uma política clara nesta relação: quem quiser ter uma organizada deve preencher os requisitos X e Y, devem se cadastrar de tal forma, devem prestar contas de tal maneira; terão em troca os benefícios A, B e C, que só serão concedidos a quem continuar cumprindo todas as suas obrigações - que podem ir desde a simples presença nos estádios (como parece que o Fluminense começará a fazer, a partir do lançamento do Guerreiro Tricolor), até normas de bom comportamento.


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É óbvio que não são só os clubes que têm que mudar sua maneira de lidar com as organizadas. O poder público também tem que fazer o seu papel.

Ontem, por exemplo, vimos mais uma vez na TV aquelas manjadas cenas da polícia deitando o cassetete nos torcedores brigões. E é possível até que isso fosse mesmo necessário, naquele momento.

Mas a pergunta é: quantos daqueles foram presos? Ou a ação da polícia - como costuma acontecer - se limitou a bater e fazer correr?

Porque bater e apanhar é exatamente o que aqueles caras estavam a fim de fazer ali. Se ficar só nisso, jogo que vem eles estarão lá de novo, querendo mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

EXCELENTE post! Parabéns, André!

Bosco Ferreira disse...

Se não conseguimos nem fazer com que a polícia prenda e processe esses marginais, sua obrigação e atividade fim.

Como podemos civiliza-las e enquadra-las do jeito que elas são hoje? Um antro de brigões e bullingnistas impunes e acima da lei.

O que você quer todos queremos, mas somente com a extinção pura e simples dessas organizadas através de uma medida legal ou de uma alta multa inpagavel, poderemos aí sim, ter um tempo para repensa-las juridicamente e recria-las aos moldes de uma conceção do clube, obedecendo a um estatuto próprio criado só para essse fim. Seriam então recriadas provisoriamente com fins e metas a serem atingidas, sob pena de não conseguirem renovar anualmente o seu registro, seriam dirigidas somente por pessoas sem antecedentes criminais. Ficando elas sujeita a permanente fiscalização do MP e da Policia, podendo ficar sujeita a intervenções do estado quando suspeita ou investigadas por crimes dentro e fora dos estadios.

No entanto, nos moldes de hoje elas são entidades privadas, e podem ser dirigidas até por gente com ficha criminal sem o menor problema legal. É um modelo impossivel de ser peitado por qualquer dirigente de clube.

Essas organizadas ainda trarão muitos problemas para o futebol Br se não forem extintas e recriadas com um estatuto próprio e rígido. re