"O povo carioca não tem este costume, não compra pela Internet"

A declaração do título é de Claudecir Silva, atual diretor de arrecadação do Flamengo. Ele justificava a venda de apenas 189 ingressos para o Flamengo x Universidad de hoje pela Internet.


O rubro-negro que lê isso, tem costume de ir ao Maracanã e já viu como funciona a venda online de ingressos para jogos do Flamengo só pode rir - ou ficar revoltado. Comprar pela Internet é mais caro (há uma taxa de conveniência de 15%, o que daria R$7,50 em um ingresso inteiro de arquibancada para o jogo de hoje), há a necessidade de retirar o ingresso no Maracanã e, ainda por cima, costuma não funcionar. São inúmeras as reclamações sobre compras que não se completam, informações sobre venda encerrada quando ainda há ingressos disponíveis, links quebrados. Não há quem possa contar com a compra pelo site da Ingresso Fácil.

É inacreditável que um dirigente do clube dê uma declaração como esta. E o rubro-negro segue em sua rotina de perrengue e filas imensas sempre que o Flamengo tem um jogo decisivo pela frente. Até quando?


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Em boa parte da conversa que tive com o pessoal da Golden Goal sobre o Cidadão Rubro-Negro (já escrevi sobre ela antes - clica e lê), o assunto foi a necessidade de criar um argumento de venda claro para o programa. Hoje, o grande chamado que a comunicação do CRN faz é para que você "seja parte da Nação Rubro-Negra", algo bastante vago; a pessoa não sabe bem o que ganha por fazer parte do programa.

O e-commerce não é bem vendido no site, o sistema de troca de pontos por prêmios não chega a empolgar e a parte "social" da coisa, que até é utilizada por boa parte dos cadastrados, tem como concorrentes com basicamente as mesmas funcionalidades o Orkut, o Facebook, o Twitter. É só notar a quantidade de comunidades dedicadas ao Flamengo que existem no Orkut com centenas de milhares ou até milhões de participantes, muito mais do que o Cidadão Rubro-Negro tem. Do jeito que o site do programa funciona hoje, é com estas comunidades gigantescas - em uma rede em que a pessoa já está cadastrada, já encontrou seus amigos e já formou suas conexões - que ele concorre pelo engajamento dos rubro-negros.

De qualquer forma, tudo isso tem mais cara de mecanismos de fidelização do que de grandes atrativos para que as pessoas ingressem no programa. A imagem que eu usei algumas vezes em outros textos é esta: é como se o Globo tentasse fazer com que o seu Clube do Assinante fosse o principal argumento de venda de assinaturas, sem entregar o jornal. Olhando em volta programas bem sucedidos de outros clubes, como os do Inter e do Corinthians, parece claro que as facilidades e descontos na venda de ingressos poderiam ser este argumento de venda forte que está faltando para o programa decolar de vez.

E o pessoal da Golden Goal sabe disso - até mesmo por ver que o número de Cidadãos Ouro é maior do que os de Cidadãos Prata. Mesmo o plano Ouro sendo mais caro, ele é mais atrativo por entregar benefício concreto, facilmente percebido pelo usuário: o Passaporte Rubro-Negro, que faz com que o torcedor possa comprar seu ingresso online sem pagar taxa de conveniência ou ter que retirá-lo no Maracanã. É menos do que oferecem outros clubes, que dão meia-entrada a quem paga preços parecidos com os do Plano Ouro do Flamengo; mas não deixa de ser um ganho real, que se torna ainda mais atrativo pra quem acabou de passar por guerras por entradas como a desta semana ou aquela bizarra do jogo do Hexa, contra o Grêmio.

Mesmo assim, a informação de que o Passaporte Rubro-Negro existe fica um tanto escondida no site  e nunca é usada como ponto principal em nenhuma comunicação do programa. E por que isso?

A resposta está na BWA, responsável pela venda de ingressos nos jogos do Flamengo - e pela operacionalização não do Cidadão Rubro-Negro, mas do Passaporte. E a empresa demorou para conseguir que a venda de ingressos pelo Passaporte funcionasse, atrasou em meses a entrega dos cartões de muita gente e ainda hoje não consegue que a operação interna da parada funcione realmente bem. As pessoas que têm o Passaporte já estão conseguindo utilizá-lo - compram pela web ou por telefone e entram no Maracanã passando seus cartões na roleta. Porém, ainda dá muito trabalho braçal interno para que isto aconteça; o sistema ainda não funciona realmente redondo. E por isso ainda não se pode colocá-lo como o grande chamariz para atrair novos Cidadãos Rubro-Negros.

Mas quem quiser evitar as filas gigantescas de uma possível semifinal de Libertadores já pode sim pensar em se tornar um Cidadão Ouro, pois me garantiram que o Passaporte está funcionando. E, além dos tais 189 ingressos vendidos pela web para "pessoas comuns", houve ainda mais de 300 vendidos para Cidadãos Rubro-Negros.

O que obviamente ainda é muito, muito, muito, muito pouco.

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E descontos nos ingressos para os sócios ou Cidadãos, vão dar algum dia?

Vai saber. Mas, ao que parece, um enorme opositor desta ideia era Flávio Pereira, antigo diretor de arrecadação do Flamengo, que já não está mais no clube. Com sua saída, pode ser que conversas para isso possam acontecer. Mas não dá pra ter esperanças sobre isso pra tão cedo.

O argumento contra a ideia é que o Flamengo já tem média de 40 mil pessoas por jogo nos Brasileiros e um programa que desse descontos nos ingressos poderia canibalizar esta renda, que já é hoje uma das principais do clube em seu orçamento. 

É algo discutível; pra se chegar a conclusões, seria preciso fazer a conta de quantas meias-entradas já são vendidas nos jogos do Flamengo (no jogo contra o São Paulo, por exemplo, foram 44%) e ainda um estudo do perfil destas tais 40 mil pessoas que vão ao Maracanã por jogo. Quantas são estas pessoas, na verdade? Qual a percentagem que vai a todo jogo, qual a percentagem que só vai uma ou duas vezes no ano? Quantos seriam os interessados em um plano de descontos nos ingressos, e quantos destes efetivamente o utlizariam em todas as partidas, ou mesmo na maioria delas? Quanto seria necessário cobrar destas pessoas para que o projeto valesse a pena para o clube?

O Flamengo não tem certeza sobre estes números; se conseguisse que a grande maioria de seus espectadores fossem cadastrados em seu banco de dados, poderia ter esta informação e muitas outras, que seriam bastante úteis para fazer dinheiro.

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E porque o Flamengo não se livra da BWA, se está todo mundo tão insatisfeito com o serviço prestado?

A resposta é conhecida: há não só um contrato longo com a empresa, como dívidas do clube que tornam o acordo ainda mais difícil de ser rompido. O Flamengo pegou muito dinheiro adiantado, usando as bilheterias como garantia.

Mas isso não é exclusividade do Flamengo. Há muitos outros clubes na mesma situação. Pelo que se diz, dá pra pensar se a BWA ganha mais dinheiro vendendo ingressos ou agindo como uma financeira.

Basta ver que, além do Flamengo, a empresa está vendendo no momento em seu site ingressos para partidas em que são mandantes Vitória, Grêmio Prudente, Fluminense, Santos, Vasco, Coritiba, Náutico, Bahia, São Caetano, Palmeiras e Atlético-MG. E tem mais clubes por aí presos a eles.