A importância de um meia


Adriano é o artilheiro do campeonato, o homem que coloca terror nos zagueiros que encaram o Flamengo pela frente e já decidiu alguns jogos importantes neste Brasileiro. Mas está jogando desde o primeiro turno, enquanto a equipe patinava, e esteve em campo em diversos insucessos feios do time durante a fase ruim do campeonato - casos das derrotas traumáticas para Sport, Coritiba, Grêmio, Avaí. Vamos combinar: a arrancada do Flamengo, que tem o dedo de Andrade em vários aspectos, tem muito a ver mesmo com a redescoberta de Petkovic.

Pet já havia atuado antes com Cuca - sempre por pouco tempo, e normalmente dando a impressão de estar mal. Mas teve sua primeira chance pra valer entrando no intervalo do jogo contra o Náutico - o time perdia, o gringo entrou bem e participou do gol do empate. No jogo seguinte, contra o Goiás, novamente Pet entrou no intervalo, fez um golaço e pareceu ter feito o time funcionar como há muito não se via. Contra o Corinthians, foi titular pela primeira vez, com atuação apenas razoável em uma vitória segura.

O Flamengo voltou a ter uma queda justamente com a saída de Pet, que esteve fora nas três derrotas seguidas para Grêmio, Cruzeiro e Avaí. E o time, que já parecia começar a mostrar futebol com ele antes de sua contusão, embalou de vez a partir de sua volta (e, claro, de outros titulares) na convincente vitória sobre o Santo André. Desde então, não se sabe mais o que é derrota rubro-negra. E é fato: com Pet em campo, o meio-campo ganhou uma vida inteligente que não se via desde... Não dá nem pra dizer desde quando. Anos?


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Conversando sobre o assunto com um amigo meu ontem, ele lembrou o exemplo de Zidane. Nas eliminatórias para a Copa de 2006, a França perigava ser eliminada. Reagiu com o retorno do veterano craque, que já havia se aposentado dos Bleus. E, com ele, acabou chegando à final contra a Itália, em que o time desmoronou após sua cabeçada em Materazzi. Grandes atacantes também podem ter o efeito de fazer suas equipes passarem a vencer - mas os meias mudam toda a cara de um time. Todos os outros jogam diferente quando têm um desses ao seu lado.

É pena que os 10 pensantes sejam cada vez mais raros. E, justo por isso, hoje em dia nem seja incomum equipes terem sucesso sem terem um da espécie.


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Na segunda-feira, foi lançada oficialmente a boa revista oficial do Flamengo - talvez eu venha a falar mais dela por aqui mais tarde. E uma das matérias, da seção "Prata da Casa", é justamente sobre um garoto que começa a se destacar na base do Flamengo usando a camisa 10 e jogando como meia esquerda.

Trata-se de Matheus, aquele que Bebeto imaginou embalar em seus braços na famosa comemoração de um gol contra a Holanda, na Copa de 94. O garoto, hoje com 15 anos, tem jogado com frequência nas seleções de base e, dizem, se destaca pelos passes, visão de jogo e cobranças de falta. É meia mesmo.

Claro que não o vi jogar ainda. Mas torçamos para que, no meio do caminho, algum técnico da base interessado em ganhar títulos que pouco acrescentam não o transforme em atacante, como tanto acontece por aí. Infelizmente, essa vontade dos treinadores de garotos colecionarem troféus para garatirem seus empregos têm feito com que os meio-campos sejam cada vez mais povoados de moleques fortes, com grande poder de marcação, que ganham jogos na base - onde as diferenças físicas são sempre decisivas - e se tornam medíocres quando chegam aos profissionais.

Taí mais uma lição neste renascimento do Rambo sérvio: ter um 10 de verdade é um enorme diferencial no futebol de hoje, exatamente por serem raros. Conseguir um jogador como este na base vale mais do que um decacampeonato brasileiro de juniores. Qualquer garoto que tenha pinta de reunir as características necessárias para o papel deve ser tratado com atenção especial, para que desenvolva estas qualidades.

Pet não vai durar pra sempre. Hoje, no elenco, quem mais parece ter jeitão de meia é o garoto Camacho - não é questão nem de ver ou não tanta qualidade no seu futebol, e sim de estilo de jogo. Não sei o tamanho de seu futuro, mas Andrade - ou seja lá quem for que venha a pegar o time nos próximos tempos - deveria já estar pensando na melhor forma de fazê-lo crescer da melhor maneira possível.

10 comentários:

Fabricio C. Boppré disse...

"(...) E é fato: com Pet em campo, o meio-campo ganhou uma vida inteligente que não se via desde... Não dá nem pra dizer desde quando. Anos? (...)". Eu respondo: desde 2001, quando o camisa 10 era... Petkovic.

Fabricio C. Boppré disse...

Daria de citar o Renato Augusto, que fez boas partidas como meia, e ali sempre me pareceu o habitat natural dele, a posição onde o talento dele mais se destaca... Pena que logo aconteceu justamente isso que tu citou, botaram ele pro ataque. Joel Santana, claro.

Raphael Perret disse...

Vou fazer dois comentários. Um é que o Flamengo tem tradição em formar jogadores técnicos, não raçudos. Seria bom identificar pelo menos alguns que se encaixam nas características do 10 clássico, e tratá-lo como uma joia, como um jogador "diferenciado", pra ficar num termo da moda. Seria fantástico ter o filho do Bebeto, em cinco anos, titular do time e jogando bagarai.

Raphael Perret disse...

O outro comentário é sobre há quanto tempo não tínhamos um meio-campo bom. Eu costumo dizer que, em 1995, tínhamos um ataque fora-de-série, mas um meio-campo abúlico, que não conseguia criar jogada (o "maestro" era o Djair, pasmem). Enquanto Romário esteve no time, jamais tivemos um bloco de armação decente. Quando, por sua vez, tivemos Felipe jogando no meio, as jogadas até saíam, mas o ataque era patético, com figuras como Whellinton, Dill e Jean. Acho que hoje, enfim, temos uma combinação eficiente, com Pet no meio e Adriano no ataque. E mesmo sem o Imperador estamos conseguindo fazer gols (foram cinco contra Vitória e São Paulo). Não sei como seria, hoje, sem o Pet (que está pendurado com dois cartões, é bom lembrar). Só sei que o Flamengo está com uma boa base em seu time titular, o que nos permite sonhar com um desfecho bem feliz para 2009.

Raphael Perret disse...

Corrigindo, usei a palavra "raçudos" mas não fui feliz. Quis dizer que o Flamengo sempre formou jogadores técnicos, não os limitados a marcar e desarmar adversários, que têm na força e não na técnica seu maior trunfo. Formar atletas raçudos está, sim, nas tradições do Fla.

Marcos Monnerat disse...

Aí, quando o filho do Bebeto começasse a definir todos os jogos e chegasse à seleção brasileira, seria contratado pelo Vasco e daria entrevista dizendo que sempre foi vascaíno e que seu bizavô se chamava Vasco...

Insurance USA disse...

Concordo 100% sobre o Camacho. Me chateia não haver esse tipo de preocupação com ele.

Flora disse...

e que eu me lembre o andrade ja andou tentando fazer o garoto mudar de posição, pra segundo volante. talvez ache que o garoto nao tem talento pra ser um 10, sei la.
Mas espero que ele esteja errado e se dê conta disso.

Unknown disse...

André, até concordo que o Pet faz a diferença (quem é louco de discordar?). Mas você tá exagerando. Desde que o Adriano chegou, fazer gols nunca foi problema no Flamengo. Ele e o Emerson tavam sempre garantido os seus no 1o. turnoe o ataque funcionava. No entanto o Flamengo não embalava porque a defesa entregava gol atrás de gol. O time se estabilizou quando Álvaro e Maldonado chegaram e arrumaram a defesa e isso coincide com a sequência de jogos do Pet, mas pra mim essa organização da zaga é mais importante que entrada do sérvio propriamente.

Por isso, essas estatísticas de que o time com Pet é muito melhor que o time sem o Pet são um pouco enganadoras.

Max Junqueira

André Monnerat disse...

Max, concordo que coincide com a arrumação da defesa, também. E que o peso disso na virada é mesmo muito grande.

Mas o time mudou muito o jeito de jogar também com a bola, desde que o Pet chegou. Independente de estatísticas, o estilo do jogo do Flamengo ficou diferente.

A diferença em números do ataque até existe, embora não seja gigantesca: com o Adriano e sem o Pet, a média é de 1,5 gols por jogo (23 gols em 15 jogos); com o Pet em campo (mesmo que sem o Adriano), sobe para 1,8 (22 gols em 12 jogos).