O que precisa mudar no futebol do Flamengo

Não basta trocar cartola, técnico e jogador.


Costumo dizer por aí que é difícil avaliar se determinado profissional é bom ou ruim apenas pelo que faz no Flamengo. Isso vale para jogadores, técnicos e até mesmo gestores das mais diversas áreas lá dentro. A situação em volta do cidadão é sempre tão caótica que é difícil qualquer um render o seu melhor, seja no que for. Assim, às vezes é preciso tomar cuidado ao formar opinião sobre o trabalho de quem passa por lá. É o caso de Zinho, por exemplo.

Vejo pontos positivos em seu comportamento à frente do Flamengo. Outros bem ruins. Os resultados dentro de campo, óbvio, não foram bons. Mas o cara assumiu no meio da temporada, com técnico já escolhido, elenco montado, orçamento comprometido, sem saber exatamente com quanto poderia contar de recursos para o que quer que fosse, sofrendo pressões políticas de todo lado, tendo que lidar com a insana situação de Ronaldinho Gaúcho, sem poder prometer com sinceridade manter os pagamentos em dia para quem quer que fosse. A gente sabe que ele queria, por exemplo, trazer Diego e Juan. Com o que tinha à mão, não rolou e só conseguiu Cléber Santana e Renato Santos - e nem por estes conseguiu pagar o que prometeu. Dá pra avaliar a capacidade do sujeito em apenas seis meses neste cenário?


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"Profissionalizar o futebol" não pode ser só pagar alguém para comandar o departamento. É preciso criar uma estrutura - não só física, mas também de pessoal - que atenda as necessidades de um clube vencedor na parte financeira, jurídica, logística, técnica. Com isto, será possível se planejar da melhor maneira, criar e desenvolver processos e métodos para os diversos trabalhos, otimizar o uso dos recursos, diminuir os erros. Não é razoável esperar que alguém, seja quem for, consiga reunir sozinho qualidades para escolher bem jogadores, avaliar o trabalho de um treinador, lidar com finanças, ser bom negociador de contratos com clubes e empresários, tratar com os jogadores no vestiário e por aí vai.

São muitos aspectos a serem cuidados e qualquer um precisaria de apoio para se dar bem em todos eles. Se você não lhe der condições de ter este apoio e ainda lhe der como tarefas extras explicar a seus subordinados por que o dinheiro do salário deste mês ainda não bateu na conta e atender as necessidades políticas de dirigentes amadores voluntários, as chances de sucesso ficam muito, muito reduzidas. E qualquer profissional bem visto no mercado que olhar o que acontece com quem se dispõe a encarar a tarefa vai pensar quinze vezes e exigir um caminhão de dinheiro antes de aceitar o desafio.

Nesta gestão Patrícia Amorim, o Flamengo até avançou na estrutura física do futebol. Foi um efeito colateral benéfico do que aconteceu com Zico: como era sua bandeira dar ao Flamengo um centro de treinamento e sua saída foi do jeito que foi, a diretoria sentiu-se obrigada a não deixar o plano morrer. Zico havia iniciado o processo levando o time para o Ninho do Urubu e em seguida chegou Luxemburgo, outro cara que sempre insistiu nesta necessidade. A parceria com a Ambev veio a calhar e entenderam que direcionar seus recursos para as obras do CT seria uma boa ideia. Para completar, havia à frente da área de Patrimônio um raríssimo caso de dirigente eficiente, Alexandre Wrobel, que ajudou as coisas a acontecerem. Não está pronto, a desorganização financeira do clube acabou atrasando as obras, mas o Flamengo finalmente se mexeu dentro do que podia, em vez de pensar apenas em projetos mirabolantes que nunca saíam do papel, e nunca esteve tão perto de chegar lá.

Mas é isso: só a estrutura física não basta para ter bons resultados. É só lembrar que o Atlético Mineiro tem seu CT constantemente apontado como o melhor do país. E no resto da estruturação necessária, o Flamengo avançou pouco. Seguindo assim, os sucessos continuarão sendo circunstanciais e esporádicos. E o Flamengo tem potencial para não ficar nisso.


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Sou a favor da criação de um departamento técnico, responsável por observar e avaliar jogadores do próprio elenco e do mercado, dar apoio à comissão técnica no estudo de adversários e à diretoria nas decisões de contratações e dispensas. De diminuir a importância do achômetro de quem quer que seja na hora de fazer escolhas, assim como dos bem editados DVDs de empresários.

Sou a favor de que parte da remuneração de todos seja baseada nos resultados coletivos, nas metas atingidas.

Sou a favor de que a política de contratações leve sempre em consideração não só o potencial técnico, mas também o histórico de comportamento dos jogadores.

Sou a favor de que, antes da escolha do treinador, a diretoria decida a filosofia de jogo que gostaria que fosse adotada no time. Que esta visão seja pensada não só para uma temporada, mas para o longo prazo. E que o trabalho nas categorias de base também se encaixe nisso.

Sou a favor do investimento na base - e que seja não só na formação de bons jogadores, mas também de bons profissionais, éticos, esclarecidos e identificados com os valores rubro-negros. Que se entenda que ganhar títulos na base é secundário, pois o objetivo é desenvolver os atletas para que estejam prontos na hora de entrar no time profissional. E que se estude para definir os melhores procedimentos para a transição da base para o time de cima, diminuindo a quantidade de talentos desperdiçados por erros neste momento.

Sou a favor de que não se troque a comissão técnica inteira a cada mudança de treinador. Sou a favor também de um plano de desenvolvimento para os profissionais das comissões técnicas, tanto do time principal quanto da base. De que se procure mantê-los atualizados com as melhores tendências adotadas no Brasil e no exterior, procurando intercâmbio com grandes profissionais. É possível e necessário formar não só bons jogadores, mas também aqueles que trabalham em torno deles.

Não se trata de inventar a pólvora. Em grande parte, basta olhar em volta e ver o que fazem os clubes mais vencedores. E não só no Brasil.


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É bom entender que não é possível sucesso consistente no futebol sem uma organização do clube como um todo. É preciso acertar a parte financeira e tornar mais previsível quanto entra e quanto sai de dinheiro. É preciso um marketing eficiente, que amplie as receitas. E então definir quanto se pode gastar.

A partir daí, sabendo com o que pode contar, o departamento de futebol tem que estar estruturado para dar o melhor uso possível ao seu dinheiro e ser cobrado em função disso.


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Faltaram os palpites para o curto prazo, a parte mais divertida de se falar de futebol.

Eu não manteria Dorival Júnior. Acho seu desempenho até agora ruim, com aproveitamento pífio e um time quase sempre desorganizado. Mas acho o mercado brasileiro de técnicos fraco. Gostaria de ver o Flamengo apostando num trabalho de longo prazo com alguém de fora. Hoje descobri que Marcelo Bielsa ganha menos na Espanha do que Abel, Tite, Muricy e Luxemburgo por aqui. Jorge Sampaoli é outra opção que todo mundo lembra e me agrada. Mas, se não for possível convencer alguém como eles, eu até acharia interessante a ideia de trazer Mano Menezes.

E acho o elenco atual muito ruim. Não manteria a base e aproveitaria o fim dos contratos de Léo Moura, Renato Abreu, Bottinelli e outros menos votados para mudar bastante a cara do grupo. Não ficaria com os hoje emprestados Ramon e Cléber Santana. Com estas saídas, seria preciso trazer, para serem titulares, ao menos um zagueiro, um lateral esquerdo e três jogadores entre meia ofensivo e ataque, dependendo do esquema que se pensar em adotar.

Fora possíveis peças de reposição. Mas antes de trazer jogadores esquecíveis só para "compor elenco", é preciso fazer uma boa avaliação de quem sobe da base em cada posição. Com todo o dinheiro que tem da Unimed, o Fluminense foi campeão brasileiro com um grupo em que 13 dos 30 jogadores vieram de Xerém.

5 comentários:

Romeiro disse...

Parabéns pela lucidez, pelas ótimas ideias e pelo grande texto, Monnerat.

Luis disse...

Caro André - Muito boa essa tua série de textos. Perfeito!

Marcos André Lessa disse...

André, para essas contratações que você apontou ao final do texto... algum palpite ou preferência?

Jorge Luiz de Magalhães disse...

MEU CARO ANDRÉ, ANTES DE MAIS NADA QUERO TE DIZER QUE SOU SEU SEGUIDOR DO TWITTER NUNCA ME ARREPENDI DISSO POIS ACHO SEUS TEXTOS CADA VEZ MELHORES, ESSE ULTIMO ENTÃO! TÁ MUIIITO BOM. EU GOSTARIA DE PEDIR UM FAVOR PARA QUE VC PUBLICASSE UM PEQUENO TEXTO E VC TEM TODO O DIREITO DE CORRIGÍ-LO CASO ACHE NECESSÁRIO, MAS EU GOSTARIA DE EXPRESSAR PARA TODA A NAÇÃO RUBRO NEGRA, PORQUE ACHO QUE PRECISAMOS NOS MOBILIZAR JÁ QUE (O QUE EU ACHO UM ABSURDO) NÃO TEMOS O PODER DE VOTO.
Conclamo a Nação nos mobilizar-mos nas redes sociais pelo voto de todos os sócios, e banir do flamengo esse curral eleitoral de uns poucos privilegiados que se instalou na Gávea. Vejo na Chapa Azul uma chance impar de mudanças na gestão de um novo flamengo, pois se a atual diretoria se reeleger, estou disposto após 43 anos, não acompanhar mais o mengão (decisão dolorosa)inclui-se a isso não pagar mais pay per view, e idas aos Estádios. Deveria-mos fazer uma reunião com a maior numero possível de torcedores pedindo pela chapa azul em frente a sede da Gávea. Fica a idéia

André Monnerat disse...

Marcos, eu tenho dificuldade de dar palpite assim de cara, porque não dá muito pra saber o que é possível ou não. É mais fácil comentar os nomes que aparecem.

Eu gosto, por exemplo, do Renato Augusto como jogador. Mas só contrataria tendo certeza das condições físicas dele, porque tem passado muito tempo sem jogar na Alemanha - quando tem sequência de jogos, é muito elogiado.

Montillo seria lindo. Mas me parece inviável, vai virar um leilão grande por ele.

O Alex Silva, que parece que vai voltar, eu não gosto. Mas tem contrato...