"O título que fez mal ao Flamengo" e outras histórias

Na sua primeira entrevista sob o impacto do caso Bruno, Zico soltou uma frase que virou até manchete de primeira página no dia seguinte: "o título brasileiro acabou sendo ruim para o Flamengo". É uma frase forte, que ninguém esperava ouvir dita desta forma por um dirigente do clube. Mas que tem seu sentido, sua importância por sair da boca de quem agora comanda o futebol do clube - e precisa ser compreendida.


É claro que o título brasileiro foi bom para o Flamengo em um monte de aspectos que vão além da alegria da torcida (e  eu sei o bem que aquilo me fez naquele dia, na arquibancada do Maracanã) e da soma de mais uma glória à história do clube. O título, por exemplo, ajudou a fechar contratos de patrocínio em níveis inéditos na sua história, bater recorde de venda de camisas, atrair novos parceiros e investidores. É claro que Zico também comemorou a conquista, ficou feliz como torcedor e sabe o que ela trouxe de bom pro clube. Não vamos menosprezar a inteligência do cara. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Quando Zico disse que o título fez mal, foi pelo que ele trouxe de ruim não só ao comportamento dos jogadores, mas à mentalidade de muita gente em volta. Se os atletas passaram a achar que tinham "superpoderes", pra usar uma expressão que andei lendo por aí, a torcida e a imprensa também embarcaram nessa: o título (que foi merecido, conquistado em campo com bom futebol e não entregue de mão beijada por ninguém) "legitimou" uma porção de atitudes erradas, que passaram a serem vistas como, no mínimo, inofensivas. E, por isso, elas acabaram se intensificando este ano, com resultados desastrosos - inclusive dentro de campo, o que fez com que passassem a incomodar muita gente que antes não estava ligando a mínima. Zico quis dizer que determinado tipo de coisa sempre é problema, nunca deve ser encarada como fato comum e assim será enquanto ele estiver por lá.

E não dá para livrar a cara dos próprios dirigentes na criação do clima de "vale tudo". Com todo mundo satisfeito com o time pelo título, Marcos Bráz perdeu qualquer escrúpulo em dizer aos quatro ventos que Adriano tinha mesmo privilégios; não faltava a treinos, era sempre liberado; enquanto ele estivesse por lá, ia ser assim mesmo; e mais: além dele, também Vagner Love, recém-chegado, mereceria este tratamento (do qual, para ser justo, pouco tirou proveito). Ou seja: sinal verde total para faltas, atrasos, noitadas em momentos impróprios, o que fosse. E não foi só ele: quem estava acima - no caso, Patrícia Amorim - não censurou qualquer declaração neste sentido e só se movimentou pra mudar alguma coisa quando ficou claro que os resultados em campo não estavam sendo os esperados. A presidente chegou a dar a seguinte declaração: "enquanto a bola estiver entrando, está tudo bem. Guardo e toco para frente". E seguiu à risca o que disse - mas não vale agora falar como se não tivesse nada a ver com o que acontecia antes.

Bem: Zico falou com ênfase e soltou a frase de efeito exatamente para ficar mais do que claro que, daqui pra frente, tudo vai ser diferente. Aprovo e torço para que dê tudo certo - especialmente porque, se os resultados demorarem para vir, tenho certeza de que ele ainda será muito cobrado pela declaração, que já foi tirada do contexto e mal interpretada por muita gente dentro e fora do clube. Espero que "o título fez mal" não acabe se tornando para Zico o "o gol é só um detalhe" de Parreira.


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O caso Bruno parece agora servir como estopim para uma mudança de paradigma dentro da Gávea, e este efeito pode ser muito bom. Mas vale separar as coisas: Bruno não está sendo investigado por uma "indisciplina" enquanto atleta do clube, e sim por crimes previstos no código penal.

Zico deu suas declarações duras e, no embalo, Patrícia - novamente falando além do que deveria para o meu gosto - começou a dar entrevistas sobre o assunto, indo bem além nas suas falas. Desandou a falar mal do comportamento anterior de Bruno (que, mesmo tendo feito tudo o que ela mesma relata, nunca perdeu a condição de capitão do time), ajudou a colocar os outros jogadores no mesmo saco com declarações generalizantes e chegou a citar até a famosa história das orgias com anões e jumentos (que envolveu um jogador que ela lutou muito para ter o contrato renovado). Qual a necessidade disso e qual a vantagem que traz para a imagem do clube? É momento de ficar remoendo em público acontecimentos passados (e mal resolvidos na época), ou justamente de desvincular o Flamengo atual deles e construir o futuro?

No meio disso tudo, surge a notícia de que o clube envia pelo correio uma carta de demissão por justa causa a Bruno, numa atitude que me parece precipitada, desnecessária e perigosa. Bruno está sendo investigado, mas até agora não foi condenado por nada. Com tudo o que sai na imprensa, cada um de nós tem suas impressões sobre o que pode ter acontecido e eu também tenho as minhas - mas elas não valem de nada, pois as investigações não foram concluídas e a Justiça não deu sua palavra. Pode ser que Bruno seja inocente; pode ser ainda que seja culpado, mas mesmo assim inocentado por falta de provas. E se isso acontecer? Por mais que eu quisesse a sua saída do clube há muito tempo, a "justa causa" não é por tudo o que Bruno fez antes no clube, e sim por este caso ainda não resolvido.

A frágil justificativa para a decisão é de que Bruno está sendo demitido não pelo crime em si, mas pela repercussão negativa do caso para a marca Flamengo. Porém, é óbvio que, se Bruno for inocente do crime, também não poderá ser culpado pelo que está se criando em volta do caso, com todo o circo armado pela mídia com a ajuda da polícia. Entrevistas como as recentes de Patrícia e atitudes como esta do clube de demiti-lo só ajudam a criar pautas novas sobre o caso, jogar lenha na fogueira e contribuir para o clima de execração pública antecipada.

De verdade: nestes momentos, como aconteceu com o casal Nardoni e outras tantas histórias, é claro que espero que a justiça seja feita e os verdadeiros culpados punidos, mas sempre acabo torcendo para o caso se tornar um Escola Base 2 e todo mundo quebrar a cara. Mas se isso acontecer desta vez, tudo isso poderá gerar problemas jurídicos complicados para o clube no futuro e fazer o assunto se arrastar ainda mais, sem a menor necessidade.

Afinal, o clube já havia, com a concordância de Bruno, suspendido o seu contrato e não estava pagando mais os seus salários. Era a atitude correta, e era o suficiente. Dali em diante, e tendo deixado claro que tipo de comportamento espera de quem ainda trabalha lá, a postura deveria ser a mais discreta possível: esperar o andamento do caso para agir com calma, no momento certo. E que deixem só as atividades futebolísticas do clube serem notícia, pra variar.

15 comentários:

Alan disse...

Quanto à demissão de Bruno, tenho uma dúvida, Monnerat. Não tenho "juridiquês" suficiente pra saber, talvez você (ou algum outro leitor) tenha:

Ele não pode ser demitido por justa causa por abandono de emprego? Se bem me lembro, 15 ou 30 dias de faltas consecutivas justificam abandono de emprego e demissão por justa causa. Será que, independente desta papagaiada toda, o Flamengo não pode alegar isso? Ou o fato dele estar respondendo a uma acusação de crime descaracteriza isso?

SRN

Alan

Insurance USA disse...

Concordo com tudo, especialmente com o caso Bruno. Já parou pra pensar que se ele reverte o caso nos tribunais com a multa rescisória, salários do tempo de contrato e mais danos morais vamos ter uma dívida com ele do nível do Pet?

Imagina daqui a uns cinco anos um Delair da vida fazer um acordo igual ao do sérvio e o nosso ex-goleiro reaparecendo na Gávea?

Medo.

JLD disse...

André, também estou estupefato com as atitudes de Patricia. Desde que assumiu, ela sempre se mostrou contraditória, mas agora ela passou dos limites, pois não apenas está se contradizendo, como também coloca em risco todo o patrimônio do clube. As entrevistas dadas ao GE e à época são, por si só, provas concretas e irrefutáveis de dano moral, caso Bruno venha a ser condenado. A decisão pela justa causa é absurda e muito me espanta que um "conselho de notáveis", composto por sumidades jurídicas, tenha sido tão audacioso em sua recomendação. Como advogado, busco sempre a solução mais conservadora possível, que atinja o objetivo do cliente, mas sem lhe expor a riscos desnecessários. Qualquer leigo percebe que a decisão da Diretoria expõe o clube a um risco imenso.

Alan, não há que se falar em abandono de emprego, pois este só ocorre quando há a ausência injustificada do trabalhador. No caso em tela, é plenamente justificada a ausência do Bruno, já que preso.

A solução correta era a adotada inicialmente, com a suspensão do contrato até que houvesse decisão judicial a respeito.

Temo pelo futuro de nosso clube.

SRN

JLD disse...

Pequena correção: Evidentemente, disse que as entrevistas são provas concretas caso Bruno NÃO seja condenado.

Leonardo disse...

Concordo com o JLD.

Mais uma vez acredito que a presidente se mostra precipitada, tentando dar uma resposta à pressão feita pela mídia no caso.

A alegação de justa causa - citada por ela na entrevista - deve-se basear provavelmente por má conduta ou por condenação criminal. Todavia, tais opções parecem ser bastante questionáveis: a "má conduta" não ocorreu na condição de empregado do clube (no exercício das suas funções) e ele também não foi condenado por nada (sentença transitada em julgado e Bruno sequer é réu neste caso).

Estranha o fato de que há juristas renomados apoiando esta medida, quando a meu ver o procedimento correto seria o da suspensão do contrato (prevista) até o esclarecimento da história ou, na melhor das hipóteses, a negociação para uma rescisão amigável, que não acarrete futuras reclamações trabalhistas.

Bosco Ferreira disse...

Concordo e me preocupo muito com o que você colocou André Monnerat;

Respondendo ao ALAN;

1) O Bruno NÃO ESTÁ FALTANDO AOS TREINOS, ele foi afastado pela presidente até resolver essa situação. Se não está comparecendo ao clube é por um motivo totalmente contra a sua vontade.

Aliás, não entendo como ele que não fugiu e nem se negou a comparecer quando chamado ainda está preso sem uma culpa formada.

Enquanto o Mizael que premeditou a morte da noiva, não se apresentou e já está solto.

Se o Bruno se livrar dessa (ninguem pode dizer que não existe essa possibilidade juridicamente falando), o clube poderá pagar caro por viajar na maionese da globo, fazendo tudo para se livrar do cara antes da hora.

O Flamengo precisa somente esperar e parar de alimentar a imprensa com aparições desnecessarias.

2) Se o Bruno for solto o Flamengo poderá impedí-lo de treinar com o grupo, mas não poderá se negar a pagar o seu salário.

3) Mesmo que seja indiciado, aguardará o julgamento em liberdade e vai querer cumprir o seu contrato, é um direito, afinal quem vai a julgamento vai em busca de provar a sua inocencia.

4) Tomara que haja alguem lá no CFR que realmente veja o lado do clube, da lei e todas as possibilidades de direito do funcionário infrator, e não somente participar da encenação espalhafatosa e acusatória desse dramalhão que a Globo ávida por factóide encena todos os dias colocando sempre o Flamengo como co-participante.

5) No caso do Guilherme de Pádua a globo noticiou o fato delituoso colocando-se totalmente fora de qualquer responsabilidade. Ambos, o Bruno e Guilherme de Pádua estavam trabalhando para o clube e para a globo respectivamente, e nem a globo nem o clube nada tinham a vêr com infrações de qualquer tipo praticadas por seus funcionários. Dois casos iguais mostrados diferente pela TV Globo.

Folha disse...

Apesar de concordar que a suspensão do contrato seria o mais indicado, o contrato de trabalho de um atleta de futebol profissional tem clausulas muito específicas que permitem demissões por muito menos.

André Monnerat disse...

Folha, pode até ser.

Mas duvido que tenha alguma cláusula que puna o cara por ser simplesmente acusado de um crime, seja lá qual for.

Marcos André Lessa disse...

Não tem jeito. Zico tem q se tornar presidente de uma vez por todas. Parece ser o único em condições profissionais, morais e mentais para o cargo.

Unknown disse...

O texto e o necessário para entender e por ponto final em algumas discursões! Apezar de levantar questinamentos, o texto é esclarecedor, pois demonstra de forma clara que algumas atitudes devem ser antes de julgadas pensadas sobre a sua origem e validade! O proveito deve ser em prol do Flamengo! Mais ainda, o proveito deve ser a favor de quem está certo! Até agora os unicos errados são os que foram omissos ao detectar os problemas que agora estão sendo gritados para justificar as ações corretivas de agora, sendo que quando detectadas não foram corrigidos! Parabéns pelo Post!lisheer

Unknown disse...

Me posiciono como maioria dos comentaristas deste blog. Os representantes do Flamengo não estão sabendo resistir as pressões externas para se posicionar publicamente e isto pode se refletir em mais uma dívida milionária.

Aliás o mesmo comportamento está sendo feito pela polícia de MG que está muito preocupada em fazer entrevistas coletivas. Polícia não tem que falar. Polícia tem que investigar e apresentar as provas levantadas no momento oportuno para as pessoas certas.

O que foi este último episódio do vídeo mostrado no Fantástico? Amadorismo total de alguns policiais tentando obter uma confissão do Bruno de forma ilegal.

Por falar neste vídeo, não me parece nada impossível que o "MAKA" tenha cometido o assassinato sem o conhecimento prévio do Bruno, apesar de alguns fatos apontarem na participação do Patrão. Existem fatos para subsidiarem todas as versões. Até agora ninguém mostrou prova alguma da participação DIRETA do goleiro no crime.

Este caso está sendo mal conduzido pela diretoria do clube, pela polícia civil de MG e pela imprensa, realmente sensacionalista.

Não sei qual é a dificuldade em dizer "NÃO" para solicitações de entrevistas. Penso que apenas comunicados oficiais elaborados por assessores de imprensa experientes deveriam ser divulgados neste caso.

Alan disse...

OK, compreendido. Uma outra dúvida (ainda acho difícil que tantos juristas renomados tenham dado uma bola fora dessas):

E se alegarem que a justa causa é por motivos anteriores ao crime? Coisas como brigar com o Pet no vestiário, falar que está se lixando pra torcida, etc.? Com certeza (todos sabemos muito bem disso), são comportamentos que não cabem a um jogador do Flamengo, principalmente ao capitão. Eles podem alegar que a justa causa é por conta destes atos, e que este caso criminal foi apenas a gota d'água? Ou nem mesmo citar o crime na demissão?

Me parece mais viável.

SRN

Flávio disse...

A Patrícia Amorim recebeu um recado da Batavo: qualquer jogador que fizesse declaração sobre o caso Bruno deveria estar sem a marca da empresa estampada na camisa.
Esse fato fez acender a luz amarela na Gávea. A decisão dela foi juntar um grupo de juristas, todos conselheiros do clube, e pedir um parecer. O parecer conclui que já há fundamentos para a demissão por justa causa. Pronto.
O Bruno não estava sendo demitido por ter problemas com a polícia. Estava sendo demitido por estar causando inúmeros prejuízos à imagem do Flamengo.
Então, a conclusão é de que a demissão do Bruno era um recado para patrocinadores e mídia.
Mas isso tudo já é notícia para embrulhar peixe. Ele não será mais demitido, por enquanto.

André Monnerat disse...

Flávio, aí é que tá: se ele não for culpado, ele não tá causando problema nenhum à imagem do Flamengo. Isso não poderá ser colocado na conta dele se, no fim, ele for inocente.

Se quiserem demitir por justa causa por oitocentos casos anteriores, acho que poderiam. Por este, não.

Acho ótimo que tenham voltado atrás nesta demissão.

=Beto= disse...

Eu não entendo porque o Bruno ta preso.

-Ele não fugiu.
-Se apresentou quando solicitado.
-Contribuiu com as investigações.
-Ele (até onde sei) é réu primário.

Nesse caso, prisão provisória ou preventiva seriam desnecessárias.

Então, porque?

Não estou dizendo que ele é inocente mas acho que estão todos sendo precipitados.