Quatro perguntas simples às autoridades, sobre as Olimpíadas

Li uma declaração de uma funcionária da prefeitura de Chicago, após a eliminação de sua cidade já na primeira rodada de votação em Copenhague, mais ou menos nessa linha: "foi uma decepção, mas Chicago já era uma cidade de alto nível antes e continuará sendo agora."

Não é o caso do Rio. Podem ter certeza de que tudo vai dar certo nos 15 dias da Olimpíada - sempre dá, vai ser divertido e emocionante para todos nós. Mas, na situação atual do Rio, o que mais importa não é aquele mês no meio de 2016, e sim o que vai acontecer até lá e o que vai ficar depois. Pra nós, os Jogos Olímpicos não podem ser vistos como uma afirmação para o Mundo da cidade que já somos, e sim como uma chance de chegarmos mais perto da cidade que queremos ser.


Esse vídeo realmente é sensacional

Andei vendo, antes do anúncio da escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016, textos de algumas pessoas que gosto de ler com o seguinte raciocínio: "ser contra as Olimpíadas no Rio com medo da corrupção é fácil e comodista; devemos abraçar a chance de termos os benefícios e fiscalizar para que coisas erradas não aconteçam". Pois é: ser ranzinza e reclamão agora, pura e simplesmente, não acrescenta muito; e ser só ufanista (beleza, agora é hora, mas amanhã já não é mais) só ajuda aqueles que estão já esfregando as mãos a espera do dinheiro que vai irrigar suas lavouras.

Mas então: quais são os caminhos pro povo assumir o seu papel fiscalizador, então? Fiscalizar o quê? O que devemos cobrar?

Eu dividiria minhas principais questões em quatro perguntas principais. Vou desenvolver cada uma delas um pouquinho, mas vocês podem até pular isso; o que importa é fazer chegarem as questões em negrito a Eduardo Paes, Sérgio Cabral, Lula, Nuzman e demais autoridades envolvidas.

Quanto mais gente se preocupar com isso e o quanto antes fizermos eles se preocuparem em começar a discutir conosco as respostas, melhor. Eu, por exemplo, vou twittar o link deste texto para as autoridades que eu lembrar que usam a ferramenta (Eduardo Paes, por exemplo, é @eduardopaes_). Pensem vocês nas suas perguntas e descubram a maneira de forçar essa galera a dar as satisfações que vocês querem. Quem sabe assim as Olimpíadas tenham uma chance maior de deixarem algo de bom pra nós, e não só as lembranças de 15 dias divertidos.


- Como pretendem dar transparência às contas da Olimpíada? Como será possível para nós, cidadãos, verificarmos quanto de nosso dinheiro está sendo gasto, como e por quem?

O gasto em obras será enorme, de bilhões e bilhões. E o maior medo de quem era contra as Olimpíadas no Rio é o desvio de dinheiro público. Há que se fiscalizar, claro. Mas como? É fácil jogar essa responsabilidade nas costas do "povo", sem que ele tenha hoje as ferramentas pra isso.

Deveríamos, desde já, iniciar um movimento por transparência absoluta dos gastos. Hoje em dia, tudo é informatizado e digital. É possível abrir todas as contas? Colocar na Internet, pra todo mundo ver?

Que tal criar um portal "Transparência Olímpica", de consulta fácil e clara, mostrando o destino de cada centavo de dinheiro público - e quem é o responsável por cada um deles?

Se as autoridades realmente se preocupam em dar satisfações à sociedade sobre o uso de seu dinheiro, é o tipo de iniciativa que deveriam ter. E que devemos cobrar, desde já.


- Como pretendem esclarecer a população sobre o uso pós-Olímpico dos equipamentos esportivos que serão construídos?


Todos já ouviram falar dos elefantes brancos que ficaram em Atenas depois de 2004. Mas os exemplos podem ser vistos por aqui mesmo. O parque aquático do Maracanã, por exemplo, foi todo reformado para o Pan, por alguns milhões, e ficou perfeito; porém, no projeto atual para o estádio, decidiu-se que precisarão daquela área para outros fins e a instalação recém-reformada será demolida - para se gastar mais dinheiro ainda construindo outra igual em área próxima! Completando o cenário bizarro, o Parque Aquático Maria Lenk, também construído para o Pan, hoje não tem utilização e já se descobriu que não serve para as Olimpíadas - também sugará mais alguns milhões em obras para ser preparado para 2016.

A pergunta é: e depois de 2016, com mais dinheiro gasto, o Maria Lenk vai ter uso? Qual?

O mesmo vale para cada uma das instalações a serem erguidas ou reformadas. O que vai acontecer com elas após a Olimpíada? Como serão utilizadas? Por quem?

Eis um pronunciamento simples a cobrar das autoridades: preparem uma lista bem simples de TODOS os "equipamentos" a serem utilizados no Rio 2016 e coloquem, do lado, o que será feito deles após aqueles 15 festivos dias. Não vale dizer "até lá a gente resolve". Esta é uma discussão que tem que ser pública, e feita desde já.

Pra não deixar passar, vale lembrar que já estamos vivendo esta situação com a Copa do Mundo, em que veremos estádios de centenas de milhões de reais sendo erguidos em Cuiabá ou Manaus, sem que ninguém consiga dizer o que será feito deles depois de 2014.


- Como será a política esportiva do Estado brasileiro daqui pra frente? Seguirão na linha de dar dinheiro público a atletas de ponta, ou finalmente veremos investimento para usar o esporte como ferramenta de educação e saúde, na base, colocando-o no dia-a-dia das crianças na escola?

Com a tal Lei Piva, o Estado brasileiro gasta cada vez mais dinheiro com o esporte. O problema é que esta grana é toda usada para patrocinar federações e atletas adultos. O retorno em medalhas, todos verificaram em Pequim, é baixo - mas isso é o de menos. Medalhas olímpicas nos trazem alegria ali naquele momento, mas não mudam nossa vida.

Não vou cobrar aqui investimentos milionários do governo em centros de treinamento para o vôlei, a ginástica ou seja lá que esporte for. O que gostaria de ver é o esporte fazendo parte da política pública de educação - algo, aliás, que precisa realmente de uma enorme reformulação neste país. Se colocarmos o esporte para ajudar a manter as crianças na escola, a educá-las, a dar saúde, a consequência natural será a formação de novos grandes atletas. E se eles não vierem a subir no pódio em 2016, não faz mal - o investimento vai ter sido pago de maneira muito melhor.

Está aí o que devemos cobrar agora: a discussão pública de como será gasto o dinheiro do Estado a ser investido no esporte. Um plano tem que ser divulgado agora, e discutido com a sociedade.


- E qual será o efetivo legado deixado no Rio de Janeiro?


Fico satisfeito em saber que a indústria de candidaturas, que rende muito dinheiro a alguns já há muitos anos, vai ter que fechar as portas e que agora eles podem se sentir obrigados a realizarem algumas das obras que estavam prometidas desde que a cidade se candidatou a sede de 2004. Metrô pra Barra? Despoluição da Baía de Guanabara? Será?

A verdade é que o Rio é o cartão de visitas do Brasil lá fora, por excelência. Tem uma vocação turística inegável. Mas, mesmo assim, a gente descobre que a cidade brasileira que mais atrai gente do exterior não tem hoje uma rede hoteleira verdadeiramente de porte - foi um dos maiores pontos fracos desta candidatura, e das anteriores. É mostra de como o turismo no Rio, hoje, é muito aquém do que poderia ser. Mas as Olimpíadas podem dar o impulso para a cidade chegar lá, com toda a exposição que terá de hoje até 2016 em todo o Mundo - desde que se prepare pra isso.

Gostaria que o poder público deixasse claro agora como treinará profissionais para receber os turistas, desde já; como remontará a rede de transporte público da cidade, que todos sabem que simplesmente não funciona; como fará a sinalização da cidade de forma a funcionar para nós, cariocas, e para quem vem de fora. A violência é algo a ser enfrentado, claro, mas podem crer que com o transporte funcionando, o dinheiro dos turistas entrando, os empregos sendo gerados, ela vai se tornar um bicho bem menos feio.

3 comentários:

Patrick disse...

Sensacional, Monnerat. Parabéns!

Marcos André Lessa disse...

Monnerat, excelente o seu raciocínio e a concisão. Acho que esse movimento deve ser feito pela internet e no boca-a-boca mesmo, porque a imprensa brasileira já fechou com o oba-oba. O que deixa as coisas mais difíceis, pois o debate público só acontece de verdade quando o tema está nos jornais todo dia (vide mensalão e desarmamento). A puxação de saco a Nuzman, Paes e Sergio Cabral chega a ser constrangedora. Mas estou aqui pensando como podemos criar uma situação em que os responsáveis se pronunciem publicamente sobre as questões que você levantou. Parabéns pelo post e pelo blog, ambos lúcidos.

Marcos Monnerat disse...

Dizer que a imprensa fechou com o oba-oba é uma meia verdade. A Globo fechou com o oba-oba, mas a imprensa não é só a Globo.

Beleza dizer que a Globo é a mega-líder de audiência e que para o povão o que a Globo diz é a verdade absoluta. Mas pra gente, que tá na internet, que escreve e lê blogs, que discute os assuntos em um nível mais elevado, não dá pra aceitar isso né?

De qualquer forma, é isso aí. Temos que dar um jeito de fiscalizar as obras e cobrar o que foi prometido.