Lembranças de Carpeggiani

Carperggiani, técnico do adversário de hoje do Flamengo, traz muitas recordações para os rubro-negros. É claro: além de ter jogado no meio campo no título brasileiro de 1980, era ele o treinador do time que bateu o Liverpool e tornou-se campeão mundial em 1981. Mas pra mim, especificamente, a lembrança que mais vem à cabeça não é das mais agradáveis.

No fim dos anos 90, início dos anos 2000, Carpeggiani era meio que o técnico dos sonhos dos rubro-negros. Todo mundo queria vê-lo voltando ao Flamengo – não só pela antiga conquista em Tóquio, mas também porque o cara estava em alta pelo bom trabalho à frente da seleção do Paraguai, que só fora eliminada pela França campeã do Mundo em 98 na morte súbita. Assim, quando ele finalmente foi contratado, todo mundo gostou. Mas o trabalho não começou dando os resultados que se esperavam. De qualquer forma, ele conseguiu levar o time à decisão da Taça Guanabara, contra o Vasco.

Naquela época, eu tinha o hábito de sentar toda semana no Plebeu, em Botafogo, com dois amigos para dividirmos algumas Bohemias e, juntos, fazermos um jogo de Loteria Esportiva. Com cada um botando um dinheirinho, dava pra colocar mais triplos e duplos e aumentar nossa chance de ganhar. A gente discutia os jogos, chegava ali num consenso e fazia nossa aposta. O normal era que nem conseguíssemos passar do sábado sem já termos perdido as chances de ganhar alguma grana, mas era divertido.

Porém, na semana deste Flamengo x Vasco, eu não estava conseguindo chegar a um consenso com meus companheiros da Associação da Bohemia Gelada. Não me lembro mais por que, mas eu queria chutar várias zebras com que os dois não concordavam. Resultado: fiz lá o jogo com meus amigos, mas decidi fazer também um só meu, aposta mínima, só pra conferir no que dariam meus palpites.

Bem: do sábado, eu passei com minha apostazinha. Chegou o domingo do Flamengo x Vasco – domingo de Páscoa - e eu ainda podia ganhar. Mas não era muito essa a minha maior preocupação na hora de assistir ao jogo pela TV – o principal era o Flamengo ser campeão, claro. Eu achava o Vasco até mais time, mas queria acreditar que ia dar. Tanto que cravei Flamengo no meu bilhete da Loteca.

Só que as minhas esperanças basicamente acabaram quando se anunciou a escalação que Carpeggiani inventou pro jogo. O cara resolveu colocar em campo Fabão – que não só eu detestava, como ainda retornava de uma longa contusão, muito tempo sem jogar. Pra completar, improvisado na lateral esquerda. Coisa de maluco! Falei na hora: “Ele devia ter anunciado isso antes por lealdade com a torcida. Assim ninguém nem se dava ao trabalho de ir ao Maracanã pra ver essa desgraça.” Era o lado Professor Pardal de Carpeggiani atacando firme.

O jogo até começou bem, com o Flamengo fazendo 1x0 com Leandro Machado – mas acabou mesmo sendo um desastre. O Vasco virou rápido, Luis Alberto foi expulso logo no primeiro tempo numa confusão com Viola e Fabão levava um baile constrangedor de Romário. Tudo muito fácil pro Vasco, que goleava enquanto sua torcida comemorava a Páscoa gritando “uh, é chocolate!” nas arquibancadas. Só que, enquanto o Flamengo levava aquele sacode, as “bolinhas da Globo” iam pintando na tela e anunciando todas as zebras em que eu tinha apostado. Era um tal de XV de Jaú ganhando do Corinthians, Caldense empatando com o Cruzeiro, sei lá. Eu tava cravando tudo.

Menos, é claro, o Flamengo. Graças às invenções de Carpeggiani. Assim, cada resultado improvável em que ia confirmando minhas apostas só fazia minha tristeza aumentar.

No fim, com 5x1 no placar, Romário fingiu uma contusão e pediu pra sair. Eu detestava o cara, mas ele teve pena do Flamengo aquele dia, não quis fazer mais – mal comemorou seus 3 gols. E aí veio o lamentável lance em que Pedrinho fez embaixadinhas no meio-campo, Juan tentou dar-lhe uma tesoura voadora, Beto e Fábio Baiano partiram pra cima, o tempo fechou e dirigentes do Flamengo invadiram o campo, num papel triste e ridículo, enquanto Abel, técnico do Vasco, pedia ao seu time para “respeitar o outro lado”. Era só o que faltava.

Eu desliguei a TV e fui chorar no banheiro.

É isso: cravei os 12 jogos da Loteria Esportiva daquela semana, que estava acumulada havia um tempo. E ninguém ganhou aquele concurso. Quer dizer: aquilo pode ter me custado um pequeno apartamento, talvez. Sei lá – era uma boa grana.

Valeu aí, Carpeggiani.


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Depois do jogo, Carpeggiani foi demitido e a diretoria trouxe de volta Carlinhos – que levou o time ao bicampeonato estadual em cima do mesmo Vasco, com direito a embaixadinhas de Beto no Maracanã.

2 comentários:

Gustavo de Almeida disse...

Excelente texto, e, devo dizer, me trouxe de volta com perfeição as recordações infelizes daquela tarde. Carpegiani desmontou o time com mais alguma alteração que não me lembro no momento.
Foi lamentável. Ainda aparecia a imagem do Eurico satisfeito incitando a torcida a gritar "é chocolate". Era domingo de páscoa e o puto tinha distribuído ovos para a torcidinha deles.
Menos mal que Carlinhos DEVOLVEU os 5 a 1 em duas prestações: 3 a 0 (fora o baile) e 2 a 1. Grande Carlinhos!

vôo do urubu disse...

Lembro da tragédia. E, se fosse vc, ia ontem ao Engenhão e cobrava o 13º ponto do Carpegiani. Evidentemente com juros.

Saudações rubronegras!