O que precisa mudar no Marketing do Flamengo

"O Marketing do Flamengo não existe!" É verdade. Mas não é culpa só de quem trabalha lá.



Desde que Patrícia Amorim assumiu, seus homens de marketing não conseguiram convencer qualquer empresa a pagar o que pediam pelo espaço de patrocinador master do Flamengo durante uma temporada. Tiveram a Batavo no primeiro ano, negociação que foi herança da gestão anterior, e a partir daí passou-se a viver de patrocínios secundários ou eventuais.

A única empresa que topou se arriscar um pouquinho mais a associar suas marcas à do Flamengo foi a Procter & Gamble. Trazida por Ronaldo, topou um contrato de alguns meses para exibir no uniforme rubro-negro as logos da Duracell e da Gillette. Em determinado momento, resolveu aproveitar o aniversário de 30 anos do título mundial de 1981 para fazer uma ação de ativação do patrocínio - coisa que a Ale fez muito bem em 2009, apontando para um caminho mais interessante para estas parcerias do que usar apenas a camisa como espaço publicitário.

Em uma partida no Engenhão, o Flamengo entrou em campo com a estrela dourada no peito, que representa a conquista de Zico, Júnior, Leandro e companhia, brilhando. Era uma alusão à data, fazendo uma ligação com a energia das pilhas Duracell. Uma ideia interessante. O time surgiu na boca do túnel, as camisas aparecendo em destaque, o locutor do Sportv começou a explicar o porquê da estrela acesa - tudo ótimo, que bela exposição para a ação! Até o momento em que se deram conta: Ronaldinho Gaúcho não estava nessa. O principal jogador do time foi para o gramado furando a parada, com sua estrela apagadinha como sempre. O motivo: estava sem receber seus direitos de imagem e, por isso, recusou-se a participar. E, a partir daí, foi este o assunto da transmissão ao falar do que era para ter sido uma boa ideia, levantando a marca do patrocinador e a do clube, valorizando a parceria, mostrando para o mercado como pode ganhar ao se associar ao Flamengo.

É claro que a Procter & Gamble não renovou o patrocínio.

Parece claro que o departamento de marketing do Flamengo é no mínimo problemático para arrumar patrocínios, assim como vai mal em várias outras áreas. E estou falando, óbvio, de um episódio apenas como exemplo. Mas este é o tipo de problema que vai além do que eles podiam fazer. E aí, me digam: quando todo mundo vê alguém que se arriscou a botar dinheiro no Flamengo se dando mal desta forma, vocês acham que fica mais fácil ou mais difícil o trabalho do pessoal do marketing?


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Faltando menos de uma semana para as eleições e para a última partida do Flamengo no Brasileiro, depois de uma temporada melancólica e de baixa média de público, foi lançado na Soccerex - evento principalmente sobre negócios envolvendo o futebol - o Nação Rubro-Negra, novo programa de relacionamento do clube com os torcedores. Os responsáveis pelo projeto estão evitando chamar assim, mas a associação é inevitável e a imprensa já andou dizendo que é o "sócio-torcedor do Flamengo".

É óbvio que eles sabem que o momento para este lançamento não é bom. E também devem saber que o formato está longe do ideal. Está saindo agora por razões diversas, inclusive contratuais. E o que impulsionou de verdade o projeto foi a entrada da Ambev, que preparou um programa de benefícios que será oferecido aos sócios de todos os clubes com que tem parceria (hoje, já inclui os grandes do Rio e de São Paulo). Eles poderão ter descontos não só em bebidas, mas em produtos de empresas como a Unilever e a Pepsico em supermercados espalhados pelo país. Outras parcerias estão sendo negociadas. O lançamento será em janeiro e o Flamengo não tinha um programa de sócios (ou de "relacionamento com os torcedores") que pudesse atingir uma quantidade razoável de pessoas para receber isso.

A Golden Goal, empresa de marketing esportivo que agora faz parte de um grande grupo sediado na Inglaterra, já havia lançado em 2009 o Cidadão Rubro-Negro. Com a entrada de Patrícia Amorim, viu o programa ficar congelado, primeiro por discutirem mudanças, depois por problemas com a chegada da Traffic. E agora está retornando com este novo projeto. Tem uma visão interessante ao encarar este tipo de programa como plataforma de relacionamento, conseguindo que ele gere recursos que vão além da mensalidade. Mas há um problema.

Tanto o Nação Rubro-Negra agora quanto o Cidadão Rubro-Negro têm cara de programa de fidelização, faltando o produto em si. Comparando: é como se vendessem o Clube do Assinante do Globo sem entregar o jornal. É difícil de atrair muita gente assim, sem entregar um produto de claro interesse de um número grande de torcedores. O problema é que algumas das ideias mais óbvias para este produto, como o desconto em ingressos ou mesmo a simples venda online (e não vou nem falar em direito a voto, que já vira outro assunto), encontram resistência dentro do Flamengo. Simplesmente relutam em ceder este tipo de coisa, básica em outros clubes. Pode parecer difícil de entender as razões para isso, mas é real.

Neste, estão incluindo na categoria mais cara descontos em ingressos, mas sem especificar a percentagem e num preço que obviamente não compensa para o torcedor comum, só fazendo sentido se estivermos falando em alguma área VIP com serviços premium para poucas pessoas. Pode até ser que a grande força de mídia que a Ambev vai colocar no projeto faça diferença, mas não tem a menor cara de que vá ser este o projeto que fará o Flamengo atrair as dezenas ou mesmo centenas de milhares de torcedores que todos gostariam. E isso, em boa parte, porque o clube não está disposto a fazer o que os seus adversários têm feito para serem bem sucedidos neste tipo de programa.

Ou seja: ou o clube abraça pra valer a causa de atrair mais sócios, entendendo que para isso tem que oferecer benefícios reais, ou não vai rolar. É uma decisão institucional, questão de visão da diretoria lá em cima mesmo. É mais um ponto em que o trabalho do marketing precisa de uma mudança do clube como um todo para realmente dar certo.


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O texto já está longo pra caramba e só toquei em dois pontos que me parecem os mais visíveis para o torcedor quando se fala no Marketing do clube: patrocínios e sócio-torcedor. Tenho certeza que em ambos o trabalho do departamento devia ser bem melhor, mas preferi, em vez de me limitar às habituais críticas a quem trabalha no setor (que podem ser em grande parte justificadas), mostrar que em muitos pontos o buraco pode ser mais embaixo. Ou mais em cima.

Não é um problema só desta gestão, embora nesta o rendimento pareça mesmo ter sido pior do que nos anos anteriores. Mas cheguei a entrevistar, antes de Patrícia, o então diretor de marketing do Flamengo, Ricardo Hinrichsen, aqui para o blog. Na época, ele me revelou que seu departamento simplesmente não tinha orçamento definido. Pois é: ele não sabia quanto tinha pra gastar, não podia contar com certeza com nada. Como seria viável realizar um trabalho realmente bom assim? Mesmo que acreditemos que quem está lá não faz um bom trabalho, como é possível atrair bons profissionais, já estabelecidos no mercado, nestas condições?

Ou muda o modelo de gestão como um todo ou não vai pra frente mesmo.


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Pra encerrar: na verdade, o trabalho do Marketing vai muito além de patrocínio e sócio-torcedor. E, para ser completo, precisa partir de uma etapa anterior: conhecer seu público. Isso é óbvio em qualquer negócio.

O primeiro passo para o Flamengo ter um Marketing de fato eficiente é criar a inteligência do departamento. Descobrir como coletar informações para saber quem é não só o seu torcedor, onde ele está, o que assiste e seus hábitos de consumo - da marca Flamengo e de outros produtos -, mas também a percepção de sua marca até por quem não é rubro-negro. Com estes dados na mão, será mais fácil procurar e convencer os parceiros certos, ajudá-los a impulsionar seus negócios e desenhar programas de relacionamento que atendam as expectativas que o torcedor sempre teve - e até as que ele próprio não imagina que tenha. Sem isso, vão continuar trabalhando na base da tentativa-e-erro, desperdiçando recursos e atingindo resultados abaixo do esperado. E não acredito em terceirizar isso, proposta que volta e meia aparece e já surgiu na campanha desta eleição; não se tira a inteligência de dentro de sua organização.

Montar um departamento de Marketing é investimento. É ele que vai multiplicar as receitas, permitir que se pague as dívidas, que se monte um bom time - que por sua vez vai facilitar o trabalho do Marketing. É o círculo virtuoso que o Flamengo precisa decidir iniciar.

4 comentários:

Luis disse...

Mais um ótimo texto, André. O nosso ativo (o Manto e 39 milhões de pessoas que o adoram) está totalmente esquecido.

Aldo Dutra disse...

bom texto, sem falar também no nosso jurídico, também uma negação... lembro-me bem da "bala de canhão", que agora é danos morais de R$15 milhões a favor de ronaldinho.

FuteB.R.O.N.C.A.! disse...

Temos um clube em que fica clara a intenção de destruir aquilo que é feito pelos outros. E neste meu comentário não vai nenhuma defesa ao Marketing atual do clube. Longe disso. Concordo que é problemático e ficou muito aquém do que o clube merece. Mas continuidade parece um problema na Gávea. Enquanto filho feio não tem pai, no rubro-negro todo mundo quer parir a mudança, a salvação, o resgate, o pulo do gato. Não anda é nunca!

Saudações!!!
http://www.futebronca.com.br/

Kaleb Ruzicka disse...

Sensacional. Você expressou exatamente o que os 140 caracteres do meu twitter não deixavam.