A apresentação de Zico

Boa parte do que Zico falou, em sua apresentação e ao longo da entrevista coletiva, estava dentro do que escrevi no texto sobre sua contratação: a prioridade em dar aos jogadores as melhores condições de trabalho possíveis e a exigência de respeito de todos às suas obrigações.

Mas Zico foi ainda um pouco além. Vou destacar algumas de suas falas que mais chamaram a atenção:



A pressão sobre o ídolo-dirigente
Zico falou com tranquilidade sobre as grandes questões colocadas sobre essa sua volta: a possibilidade de arranhar sua imagem de ídolo e de enfrentar problemas com a política interna do clube. Ele sabe no que está se metendo e dos riscos que corre:

"O ídolo fica pra trás, passou. Agora é o dirigente, vamos trabalhar. O que foi feito não se apaga, mas como dirigente começo do zero e quero ser avaliado como dirigente. Foi assim quando comecei como técnico. Como dirigente, tenho uma passagem bonita no Kashima, e tenho orgulho do que fizemos. O Kashima hoje é a referência no futebol japonês e fico feliz de ter dado o pontapé inicial lá. Aqui, já temos uma profissionalização, agora é procurar montar a minha filosofia de trabalho, o que sempre apregoei e deu bons resultados. Só peço que aqueles que estiverem trabalhando comigo acreditem, pois até hoje os resultados têm sido positivos. O que viso é sempre o resultado final e acredito que tenha tido muito mais vitórias que derrotas."
"Quem está no futebol depende de resultados e é normal que haja cobranças. As correntes sempre vão existir e isso é normal. Todas querem o bem do Flamengo e têm o direito de exigir e cobrar. Quem está no cargo vai procurar ser forte. Quando as coisas são fáceis, você pode se acomodar; eu gosto de ser pressionado, me acostumei com isso na carreira. Estou aqui graças à confiança que tenho na Patrícia, mas se ela achar que as coisas não estão saindo como ela quer, ela pode fazer suas mudanças e não ficarei chateado, pois quero ver o Flamengo grande comigo aqui ou não."




Condições de trabalho
Zico disse que o grande desafio que terá será manter a equipe campeã, já que o time conquistou o título brasleiro no ano passado e tem a obrigação de continuar vencendo. Porém, devemos ter a consciência de que a grande transformação que ele pode representar é fora de campo, na filosofia de trabalho, e é pra dar resultados no médio e longo prazo: trata-se da reorganização do departamento e o fortalecimento de sua estrutura;


"Que os atletas de fora saibam o que o Flamengo vai oferecer a eles. Os jogadores falam entre si, e muitos estão escolhendo outros centros por ouvir falar de salários atrasados, falta de local para treinamentos. Devemos dar as melhores condições possíveis, para poder cobrar cada vez mais. Disso eu não abro mão."

"Vamos ter um organograma, com pessoas definidas para cada função, desde o profissional até o mirim. Vamos mostrar nossa filosofia e todos vão saber o que devem fazer, o que compete a quem. Vamos escolher a equipe para o organograma que já tenho montado, antes vendo os custos disso para caber no orçamento. Vamos ver quem já está hoje, para ver quem se encaixa na nova filosofia; não estou aqui para prejudicar ningém, mas claro que mudanças devem acontecer."

"Sobre o CT, sempre tive o pensamento de manter o futebol profissional na Gávea. Mas hoje sei das dificuldades de ter um departamento só na Gávea. O projeto do CT é ambicioso e importante, e temos que seguir a filosofia de quem está no comando. Dou o exemplo do Fenerbahce, que tem um CT maravilhoso, e se eu puder colocar no CT do Flamengo tudo o que havia lá, seria ótimo. Não tenho o projeto ainda em mãos, mas o que eu quero é um local funcional para os atletas e quem comanda. "






Todos deverão cumprir suas obrigações
Ao que parece, a era das regalias para A ou B está mesmo chegando ao fim.

"Diálogo sempre foi minha forma de conduzir as coisas, desde quando eu jogava. Mas todos os jogadores têm direitos e deveres, e o clube também. O clube tem normas e, quando se assina um contrato, é preciso que se leia. Vamos apenas fazer cumprir. O jogador precisa saber que não só tem o dever de estar no campo e trabalhar, mas também da manutenção da imagem do clube. No compromisso, está escrito isso. Tudo o que precisar ser feito para que isso aconteça, a gente vai fazer. Temos que dar todas as diretrizes sobre a forma de trabalhar. Problemas vamos ter, mas quando se olha no olho, já diminui a chance de problemas."



"Não critico a forma de trabalhar de ninguém. Mas volto a dizer: os direitos e deveres são para todos. A única coisa que eu quero é o cumprimento do que está determinado pela comissão técnica. Sempre me dei bem fazendo isso e quero da mesma forma."



"Muitas vezes o atleta, quando está de frente com alguém que não passou por aquilo, tem como rebater algumas coisas. Quando é com alguém que passou por aquilo e foi vencedor, vai pensar duas vezes. E eu, quando me coloco com um atleta, não quero que me olhe como o que fui no passado, e sim como o dirigente que quer resolver o problema naquele momento. Como treinador e dirigente, sempre disse isso: venha conversar comigo, olho no olho, e vamos falar do seu caso e de como resolvê-lo - e eu, com minha experiência, vou procurar como ajudar. Minha forma de trabalhar é voltada pro lado positivo e objetivo, de melhorar a cabeça do atleta. Não é só dizer "faça isso", mas por que fazer e qual resultado vai obter com aquilo."



"Os jogadores têm que ter profissionalismo, seriedade e humildade e estar sempre prontos para serem usados quando necessário. Agora vi um dos maiores exemplos de ajuda a um técnico, que foi a Inter de Milão. Mourinho determinou uma forma de jogar e todos foram humildes para acreditar no técnico. Jogadores de seleção em seus países, que foram humildes e se entregaram, e acabaram premiados. E isso é um exemplo para o Flamengo. Como o Júnior diz, precisamos ter a segunda pele, e é verdade. Tomara que a gente consiga isso no nosso plantel." 



Filosofia do trabalho na baseEis um grande problema do Flamengo atual, que pela primeira vez foi campeão brasileiro sem ter nenhum jogador formado em casa. Não só aparecem poucos jogadores aproveitáveis para o time principal, como até  os ganhos com vendas de atletas são baixos em relação a outros clubes - que revelam mais e vendem melhor. Foi bom ver Zico falando disso, mesmo sem ter sido perguntado diretamente sobre o assunto.



"Base deve ser formação, e o Flamengo deve a cada ano ter um número X de jogadores que terão que ser utilizados na categoria de cima. O menino vai saber que está lá para se formado, não para ganhar títulos na base. Se ganhar ótimo, mas não é a meta principal. E cada um deverá saber seus objetivos."



Rogério continua
Dizem que o Flamengo andou falando com Luiz Felipe Scolari. Creio que Zico só trocaria o técnico neste momento se for fosse por um nome indiscutível como este. Como não é mesmo fácil conseguir algo assim agora...

"Conversei com o Rogério e gostei de nossa conversa. Já havia falado com a Patrícia sobre isso, gostamos da postura dele neste pouco tempo e tem toda a minha confiança para seguir como comandante. O treinador tem um percentual de importância na equipe, mas quem decide são os jogadores."



Reforços?
Todos sabem que contratos estão acabando e o elenco do Flamengo está enfraquecido. Zico tem essa consciência, e agora é questão de ter alguma paciência pra vermos quem sai e quem chega. A própria vinda de Zico mostrou que é possível mesmo o Flamengo conseguir trabalhar em silêncio.



"A direção trabalha para divulgar só na concretização. Antes de eu ser procurado, muitas coisas estavam sendo delineadas, que eu aprovo. Não estão faltando esforços para que os nomes citados (falavam de Emerson, Renato, Deivid e Kléber) possam estar aqui com a gente e outros possam ser mantidos. Mas não vou falar de nomes, só quando tiver alguma coisa concreta."

"É momento de muitas ofertas no mercado e quem se movimentar na frente vai sair ganhando. O Flamengo já estava se movimentando e acredito que teremos boas respostas em poucos dias."




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Chamou atenção o momento em que Patrícia Amorim, ao responder sobre que tipo de estabilidade estava oferenco a Zico, começou a falar da necessidade de cumprir compromissos e trabalhar sem alardes e afirmou que, quando Adriano deixou de jogar quarta e domingo por questões extra-campo, descontou um mês inteiro de seu salário sem divulgar isso. No mínimo curioso ter decidido soltar esta informação agora, depois do Imperador ter deixado a Gávea.


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Zico ainda falou bastante da emoção de voltar ao Flamengo, do orgulho de servir ao clube e como espera que os jogadores e todos os envolvidos no trabalho sintam isso. Homenageou o funcionário Ayer Andrade, que fez seu primeiro registro na Federação como atleta do clube e hoje completa 50 anos de Flamengo.

Foi só uma das coincidências marcando a data. Hoje também é aniversário de 30 anos do primeiro título brasileiro do Flamengo, conquistado com Zico em campo. E ele também lembrou que, ao longo de sua carreira no clube, a data de assinatura de seus contratos como jogador foram sempre o dia 1/6. Pra quem gosta de acreditar nessas coisas...

Deve-se perceber que foi um dia histórico para o Flamengo. Fica a torcida para que, daqui a anos, o tamanho do significado deste momento pareça ainda maior do que agora.

5 comentários:

Bosco Ferreira disse...

Também acho que ele deve dá uma chance ao treinador atual. Se não for para trazer algo do tamanho da Nação, que o Rogério continue e tenha uma oportunidade de trabalhar com as contratações que virão num plantel organizado.

Insurance USA disse...

Toda vez que leio algo sobre o dia de hoje, a voz embarga e os olhos começam a lacrimejar. Tá foda.

O que o Zico fala não é emocionante pelo conteúdo em si. É o que a gente sonhou, mas na boa, a maior parte ali é até óbvio.

Emociona mesmo porque a gente acredita piamente que o Zico VAI fazer isso.

É inacreditável o que esse cara já deu pro clube. E toda vez que ele aparece, parece que ainda não é nada comparada ao que pode fazer.

Insurance USA disse...

Bom, tentando voltar à compostura:

1- EXCELENTE exemplo esse da Inter. Muitos colunistas chamaram a atenção de que o Eto'o chegou a virar volante em alguns jogos.

2- Uma frase do Zico me chamou a atenção: "se organizando um pouquinho, já fomos campeões brasileiros. Imagine se tivermos um projeto profissional?"

É isso, porra!!! Boa, Zicão!!

3- Sobre integração com a base: ótimo. Chega de ter no time um Michael da vida que não resolve, custa caro e toma o lugar de um garoto q poderia ser vendido e pagar as dívidas. Se a gente der sorte, depois do Mezenga a gente ainda consegue vender e bem o Pacheco.

Fabricio C. Boppré disse...

Quase chorei quando ele disse, perguntado se chegou a cogitar trabalhar em outro clube brasileiro alguma vez, "passei por um momento muito duro ao ter que enfrentar a seleção brasileira, como técnico do Japão. Mas enfrentar o Flamengo, eu não poderia." Viva o Zico!

Joviano Caiado disse...

Gostaria, na verdade, de presenciar uma reunião do Zico com um desses jogadores que se acham o rei da cocada preta para tratar de renovação de contrato.
Se as aves de mau agouro da gávea não se intrometerem, acredito em um Flamengo entrando no primeiro mundo do Futebol mundial nos próximos 05 anos.

"No Flamengo... para ser mascarado tem que ser melhor do que o chefe nos bons tempos!" v. Esportes: http://www.ocomentarista.com.br