
Daí lembrei de um livro que terminei no início do ano: O berro impresso das manchetes, que reúne todas as crônicas publicadas por Nélson Rodrigues na Manchete Esportiva, na segunda metade dos anos 50. Pega um período em que o Brasil saía decepcionado pela derrota na Copa de 54 e passa pela conquista do primeiro título mundial, em 1958 – está lá, por exemplo, o texto em que ele cria o famoso “complexo de vira-latas” brasileiro, aquele que Pelé e Garrincha liquidaram na Suécia.
A melhor parte do livro está em seu início. Nas suas primeiras crônicas para a publicação, Nélson não se prendia muito aos acontecimentos esportivos da semana; os jogos eram apenas desculpa para ele pegar algum detalhe e, a partir dele, desenvolver teorias definitivas sobre a condição humana ou pequenas narrativas que em boa parte das vezes nada tinham a ver com futebol. Nélson poderia escrever exatamente os mesmos textos em um blog hoje em dia e seria um sucesso estrondoso – é um material que continua fresco como há 50 anos.
O primeiro texto do livro é Flamengo sessentão, escrito em 1955 em homenagem ao aniversário do clube. É aquele da manjada passagem que fala que “Há de che gar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no ar co.” Normalmente, reproduzem por aí só este parágrafo, mas o texto é inteiro delicioso – desde o início, em que ele começa comentando com saudade os quadris das mulheres do início do século passado: “ é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Con¬venhamos: — grande época! grande época!” Nélson, todos sabem, é um histórico símbolo do Fluminense – mas nem por isso deixava de entender o que é o Flamengo. Por toda a sua obra, são inúmeras as passagens em que trata da mística do Manto Sagrado ou da diferença do torcedor rubro-negro para os demais.
Mas bem: como não tenho o talento do dramaturgo, na verdade não me inspirei para definir o que farei deste espaço nos primeiros e originais textos do livro, tampouco em seus épicos relatos e descrições da força da Natureza que é o Flamengo. E sim no formato que ele passou a adotar na Manchete Esportiva, a partir de um determinado momento, por sugestão de seu editor: o “Meu Personagem da Semana”. A cada rodada, ele escolhia uma figura para colocar em evidência, de acordo com o que tivesse realizado em campo – ou à beira dele. Os textos, sem dúvida, ficaram muito mais datados para quem os lê agora, já que se prendiam a acontecimentos ali daqueles dias; mas, na época, fizeram sucesso e ficaram neste formato ao longo dos anos em que escreveu na revista e, depois, em outros veículos.
Não apostaria que estes meus textos terão tanto sucesso ou longevidade – muito menos que venham a virar livro daqui a algumas décadas. Mas enfim, a ideia me pareceu boa. Por isso, por ter inspirado o formato desta modesta coluna semanal que hoje estreia, Nélson Rodrigues é meu personagem da semana.
Um comentário:
Parabéns Monnerat! Você é o cara! E está ocupando espaços em todos os blogs legais sobre o Flamengo! Só está faltando o Buteco do Flamengo aí vc estaria em todos os blogs do Fla que leio diariamente.
Postar um comentário