Maneiras de vender a alma ao diabo

O Palmeiras segue sua parceria com a Traffic, sob os protestos de torcedores organizados (com motivação política pré-eleição, talvez, mas enfim - o fato é que os resultados de 2008 ficaram aquém do que se prometia). O Vitor Birner colocou em seu blog uma declaração de "uma pessoa que vive o dia-a-dia palmeirense":
“Em 2008, era cada um por si. Só pensam nas próprias carreiras. Se
jogarem a partida bem, fizerem o gol, receberem elogio da mídia, para eles
estará ótimo, seja qual for o resultado”.

Faz sentido. O jogador é da Traffic e sabe que a Traffic está interessada em vendê-lo rápido, pelo melhor preço possível, e não em títulos para o clube. Ele olha pro lado e vê um exemplo como o do zagueiro Henrique, que chegou, ficou três meses, se destacou e se mandou pra Europa, com o bolso cheio, deixando o time desfalcado na defesa pro resto do ano. Por que ele teria seu foco em resultados para o time, em vez de se concentrar na própria valorização?

É o perigo de vender demais a alma ao diabo - ou seja, mergulhar muito fundo na associação com os empresários, que cada vez mais sofisticam sua atuação e passam a responder pelos nomes de suas empresas ou fundos de investimento. Neste momento, é importante que o time saibacolocar os interesses do clube acima dos do "parceiro" na hora de fechar os negócios. Os objetivos das duas partes desse tipo de associação são muito diferentes e muitas vezes vai ser difícil conciliar.


* * * * * * * * * * * * * * *


Mas, apesar do modelo palmeirense não ter se mostrado um grande sucesso, o Fluminense é outro que fechou acordo com a Traffic para 2009 - foi o jeito de compensar o corte de verbas da Unimed, que além de ser mais uma a sentir os efeitos da crise mundial, ficou decepcionada com os resultados do ano passado. Como o time havia perdido um monte de jogadores importantes, precisava mesmo dar um jeito de conseguir grana pra fazer a reposição das peças. E eu até acho que as contratações estão sendo boas.

Arouca é um bom jogador, teve uma subida de rendimento a partir da chegada de Renê Simões, mas na verdade não mostra o futebol de seu início de carreira tem tempo - Diguinho e Leandro Domingues podem suprir bem sua falta.

Jaílton foi motivo de chacota no Flamengo, mas ainda acho que o grande pecado foi escalá-lo como zagueiro; na cabeça de área, ele é tão medíocre como tantos outros por aí e é, no mínimo, do mesmo nível de Fabinho e Ygor, os que andaram jogando na posição em 2008. Pode não parecer grande coisa, mas é isso - pior não vai ficar.

Washington ainda tem nome e moral, simpatizo com ele, pode dar certo no São Paulo - mas no duro foi uma certa decepção em 2008 e não mostrou futebol insubstituível não. Perdeu muito mais gols do que se esperava, mostrou desequilíbrio emocional em muitos momentos, diversas fases de jejum. Foi artilheiro do campeonato - mas jogando isolado, recebendo todas as bolas pra definir em um time à beira do rebaixamento, coisa que Souza, Dill e Dimba também conseguiram. Conheço tricolor que perdeu a paciência com o Coração Valente há muito tempo. Leandro Amaral também não teve uma grande temporada ano passado, mas é uma aposta no mesmo (bom) nível.

Júnior César teve seus momentos de destaque na Libertadores, mas é bom lembrar que era um em quem a diretoria tricolor não confiava no início de 2008 e procurava alguém melhor para a posição (chegando a apostar em Gustavo Nery!). Depois da derrota pra LDU, caiu de nível e só voltou a subir com a chegada de Renê Simões. Na verdade, me parece um lateral daqueles que parece melhor do que é - é rápido, tem disposição, se apresenta muito no ataque, mas erra a enorme maioria dos cruzamentos e, por isso, acaba sendo bem menos produtivo do que aparenta (no que me lembra muito Wagner Diniz, outra contratação do São Paulo). Nessa aí, acho que o Fluminense até saiu ganhando ao trazer Leandro para a posição.

O que vai ser realmente impossível é arrumar alguém do nível de Thiago Silva para a zaga. E, fora o cara ser um monstro, acabaram trazendo para sua posição apenas desconhecidos (fora a ameaça de inventarem Jaílton por ali, o que seria até cômico).

De qualquer forma, o Fluminense até que parece estar se remontando bem, em termos de nomes. Ficam duas dúvidas: Renê Simões conseguirá fazer esses novos contratados "encaixarem"? E será que eles estão mesmo dispostos a formar um time, ou estarão também na base do cada-um-por si, como o Palmeiras-Traffic-2008?


* * * * * * * * * * * * *

O Botafogo é outro que se associou à Traffic para 2009. Mas sua parceria é um tanto diferente; a empresa parece que age como consultora na gestão do fundo de investimentos criado pelo clube, assim como participa como um dos seus investidores - junto com outros players deste mercado, como MFD e Ability. É a forma que a nova direção encontrou para levantar recursos para um clube totalmente quebrado. Por enquanto, o que eles têm é um time formado basicamente por desconhecidos e Reinaldo no ataque, além de dúvidas sobre o rendimento da nova equipe e a promessa de ficar com 20% dos lucros futuros com vendas de jogadores contratados com dinheiro do fundo.

Mas numa coisa, o Botafogo parece ter acertado: o gestor do negócio é do próprio clube. Foi contratado para o trabalho um executivo do mercado, o economista Sérgio Landau, irmão de Elena Landau - outra alvi-negra, ex-dirigente da CSN, que ajudou Bebeto de Freitas no início de sua gestão. Ao que parece, além de lidar com o dinheiro do fundo, ele também vai ser responsável pelo planejamento estrutural do futebol alvi-negro. Já parece um modelo em que o clube encara a coisa de maneira mais profissional.


* * * * * * * * * * * * *

Enquanto isso, o São Paulo continuou com sua política de não se associar a fundo nenhum, empresa nenhuma, agente nenhum. E foi passando o rodo em uma porção de gente sem contrato por aí, levando todos de graça para o Morumbi - Washington, Arouca, Júnior César, Eduardo Costa, Wagner Diniz. Não acho que nenhum seja indiscutível como andam colocando por aí, mas não há dúvida de que o elenco são-paulino ficou com mais opções pra montar seu time - não havia um grande centro-avante por lá, eles não tinham laterais ofensivos pra escalar, enfim. E, comparando com o que outros clubes contrataram, não dá pra dizer que se saíram pior no mercado que ninguém. Bem pelo contrário.

Por que eles conseguem se virar sozinhos?

Mas é bom dizer o seguinte: o São Paulo fechou o ano passado com um preju de 20 milhões. Havia a previsão de vendas de jogadores, elas não aconteceram. E não foram feitas até agora. Além disso, o time começa o ano com sua camisa limpa, sem patrocinador, porque a diretoria está batendo pé por um valor mais alto. Pode ser que dê tudo certo mais à frente. Mas, em algum momento, a grana vai ter que entrar pra eles conseguirem fechar suas contas.

Nenhum comentário: