O Flamengo "cuidando bem" de seus clientes


Desde 1999, foram gastos em reformas no Maracanã mais de R$250.000.000 - daria pra construir um estádio novo, de nível de Copa do Mundo.

No ano passado, diz o balanço do Flamengo que as receitas totais do futebol bateram na casa dos R$70 milhões. Só com bilheteria, o clube arrecadou R$14,6 milhões. O gasto com o pessoal do departamento de futebol - o que, óbvio, inclui os jogadores - foi de R$46 milhões.

Com tanto dinheiro rolando no Maracanã, no Flamengo, no negócio futebol, a pergunta que me faço é: será possível que não sobra um trocado pra melhorar a vida de quem vai às bilheterias do estádio comprar um simples, mas nem tão barato assim, ingresso?

Quem vai ao velho Mario Filho sabe que, desde sempre, um dos maiores perrengues que se passa é pra comprar ingresso. Já se torrou dinheiro para se mexer em quase todos os pedaços do estádio, de tudo que é maneira - mas as bilheterias continuam as mesmas, do mesmo tamanho, mesmo sistema, mesmos buracos na parede. Você tenta se comunicar com os bilheteiros e se sente em um diálogo de visita a detento em presídio.

A sinalização é horrorosa. Na maioria das bilheterias, não tem nem uma plaquinha em cima do buraco dizendo se ali vende arquibancada, cadeira ou o que for, ou se estão disponíveis no local ingressos de meia entrada. A solução é ir perguntando de fila em fila se é ali que estão vendendo o que você quer comprar - e, em geral, as pessoas estão ali mas não sabem, não têm certeza, estão se arriscando a quebrar a cara. Já que sinalização não há mesmo, por que diabos não colocar em cada setor de bilheterias alguém de colete, identificado, dando as informações? Mas pagam a um zé mané pra ficar no alto da rampa, onde o torcedor passa depois de todo o sufoco, pra ficar com um microfone dando as boas vindas.

De vez em quando tem algum policial por perto, mas é raro eles também saberem informar pra onde você deve ir. Talvez não seja mesmo este o trabalho deles - mas qual é, então? Organizar as filas, não parece ser. No sábado, um bolo inacreditável de pessoas tentava se espremer pra conseguir sua entrada, sem qualquer organização, enquanto o jogo já corria solto - a galera parou um pouquinho de se empurrar pra comemorar os gols que alguém ouviu pelo radinho. Saindo da confusão, para a esquerda, uma longa fila se estendia, com um bando de zés manés lá na ponta achando que aquilo daria em algum lugar e que a espera longa em uma linha imóvel lhes seria recompensada no final. Óbvio que não aparecia ninguém da organização (hahaha) do evento pra lhes avisar da perda de tempo.

Pelo que soube, logo depois que eu desisti daquela confusão e fui procurar outro setor pra tentar conseguir meu ingresso, os policiais surgiram pra fazer seu trabalho - ou seja, passar de cavalo por cima de todo mundo, disparando o infame spray de pimenta em cima da clientela rubro-negra. Ouvi a história enquanto aguardava por um bom tempo na boca da bilheteria a moça voltar com mais ingressos; os que estavam na mão dela haviam acabado e ela levantou pra ir imprimir mais lá dentro, enquanto a fila ficava parada. Isso porque só quem fica ali dentro, pelo visto, são os próprios bilheteiros, sem nenhum supervisor ou ajudante pra fazer esse tipo de coisa e ir mantendo o fluxo de venda.

Beleza, houve venda antecipada de ingressos e a galera podia ter garantido seu lugar antes - eu cheguei só uma hora e meia antes do jogo, então a culpa deve ser minha mesmo. Mas isso não justifica a inacreditável desorganização no dia do evento. Desta vez, o que ocorreu é que caiu uma chuva torrencial no Rio de Janeiro na sexta-feira, desanimando muita gente pra ir às bilheterias debaixo d´água - fora a dúvida sobre o tempo do dia seguinte. Além disso, é óbvio que teve uma galera que se reanimou a se dedicar ao futebol depois do que aconteceu na quarta-feira.

O público de Flamengo x Náutico foi de 43 mil pagantes. Muita gente, mas podem crer que, apesar do muito espaço que ainda havia dentro do estádio, uma pequena multidão ficou do lado de fora, sem conseguir entrar. Eu mesmo vi muitos simplesmente desistindo e indo pra casa, coisa que por pouco também não fiz. Preju para o clube e para a Suderj, tanto neste último jogo quanto no futuro - porque muita gente simplesmente desiste de voltar ao estádio algum dia depois de uma decepção dessas. A lição foi essa: resolver ver o Mengão da arquibancada de última hora, sem ingresso na mão, nem pensar. Mesmo que se saiba que ainda tem muito ingresso à venda.

Lamentavelmente, quem planeja reformas no Maracanã ou esquemas de venda de ingresso é gente que nunca sentou numa arquibancada na vida, nem faz qualquer pesquisa junto a este público. Pensam em tudo, menos no que efetivamente faria diferença na vida do consumidor. Fica aqui a idéia: coloquem um dirigente do Flamengo e outro da Suderj pra tentar comprar um ingresso em dia de jogo, pra eles terem noção de como a coisa (não) funciona. Seria bastante educativo.

Um comentário:

Marcos Monnerat disse...

No último parágrafo você coloca um termo que poderia ser mal empregado: "esquema de venda de ingressos". Acho que o mais preciso seria haver um sistema de venda. Mas no caso do Maracanã e do futebol brasileiro o que existe é mesmo um esquema. Um esquemão em que ganham, de uma forma ou de outra (e talvez nem todos esses), os bilheteiros, mancomunados com os cambistas, mancomunados com alguéns da Suderj e dos clubes envolvidos.

Fazem com que a venda oficial de ingressos seja tão ruim, mas tão ruim para os torcedores honestos que esses acabam aceitando comprar na mão de cambistas para não correr risco de morrer na bilheteria com espadadas, coices, etc.