O modelo não se sustenta

Já deixei claro, no meu último texto, que não concordo com a idéia de simplesmente vender o Flamengo, fazer com que o clube tenha efetivamente um dono. Mas está mais do que claro que Leonardo tem razão em dizer que, do jeito que está, não pode ficar. O modelo atual não se sustenta. E é óbvio que quem administra o Flamengo precisa ser profissional, pago pra isso, viver deste trabalho, ter metas a cumprir e prestar contas de seu desempenho. Todo esse foco nos pensamentos de Leonardo é ótimo justamente por chamar a atenção para a discussão, que é mais do que necessária.

O que não dá pra aguentar são as ironias do atual presidente do Flamengo, Delair Dumbrosck, lamentando que Leonardo não possa ser voluntário como ele. Delair, parece, não percebeu este óbvio que coloquei no parágrafo anterior: se o modelo depende ainda de voluntários, o errado não é Leonardo, mas o modelo. 

(Não percebeu - ou é percebeu, mas tem é interesse que o modelo permaneça de um jeito em que ele tenha seu lugar. É o pessoal que não quer largar o osso.)


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Leonardo esteve hoje no Arena Sportv, para uma entrevista bem mais longa, em que pôde desenvolver melhor seu pensamento. Assisti apenas aos trechos do programa que já estão na Globo.com, mas ele mesmo diz isso em determinado momento: não há um só modelo, uma só solução. O mais importante, no momento, é que se pare pra discutir qual o modelo para o qual o Flamengo - ou qualquer outro clube do país - vai passar. O atual, é óbvio, não pode seguir em frente.

Pode se transformar o Flamengo inteiro numa empresa, e vendê-lo para algum investidor. Pode-se criar empresas separadas, de capital aberto, com o clube mantendo controle acionário delas, para as suas diversas atividades, como Márcio Braga já propôs diversas vezes (e nunca conseguiu dar dois passos dentro da política do clube para colocar isso em prática). O presidente do Corinthians entrou durante o Arena Sportv pra falar num modelo de venda de ações na Bolsa, e Leonardo não achou ruim. Pode-se pensar em outras soluções. Só o que não dá é o jeito que é hoje.


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Um dos pontos em que mais discordo do Leonardo é o seguinte: do jeito que ele fala, a dívida do Flamengo é impagável sem que algum investidor apareça com um caminhão de dinheiro de fora pra dar um jeito. A dívida do Flamengo é na casa dos 300 milhões de reais; a receita do clube, hoje, chega perto dos 100 milhões, com despesas um pouco menores que isso. Sendo que, até há poucos anos atrás, as despesas eram de menos da metade das atuais - ou seja, dá pra reduzir bastante o que se gasta hoje; e as receitas, todos concordam, ainda não chegaram onde podem chegar. Sentando com os credores, negociando as dívidas, parcelando e fazendo um orçamento prevendo um superávit pra pagar o que deve, daria pra ir baixando o passivo ao longo dos anos, num prazo aceitável.

Posso estar falando besteira e sendo otimista demais; mas me parece que uma gestão profissional competente pode sim fazer com que o Flamengo, com suas próprias pernas, saia deste buraco atual.  Só não dá pra esperar é que esta tal gestão profissional competente dê as cara dentro do modelo que hoje existe para administrar o clube. Muito menos com as pessoas que lá estão.


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Mas vejam que o título deste texto não fala apenas do modelo do Flamengo, ou do Brasil. Mas sim do futebol como um todo.

Leia uma das falas de Leonardo no programa de hoje:

"Nenhuma empresa de futebol tem lucro. Quem tem lucro é quem consegue num time pequeno fazer, por um período curto, um bom rendimento esportivo, vender seus jogadores e vender o clube. Esse faz negócio."

Mas então, se nenhuma empresa de futebol tem lucro, como é que a coisa anda?

"Historicamente, o mecenas tem sempre que existir."

E ainda cita o caso de Castor de Andrade, no Bangu vencedor dos anos 80, como exemplo. Um cara que colocava dinheiro no clube sem esperar retorno, pra fazer lavanderia e ganhar popularidade. Então, quem é o mecenas que vai investir no Flamengo? Vai ter que aparecer alguém pra colocar dinheiro sem ganhar nada em troca? De novo, Leonardo:

"Você acha que não tem rico que tem paixão? O cara pode investir no Flamengo sem esperar grandes trocas!"
O vídeo é esse aí embaixo.




Vejam bem: segundo Leonardo, que trabalha no Milan, um dos maiores vencedores do rico futebol europeu, a solução passa por ter alguém colocando dinheiro no clube sem esperar retorno, baseado em "paixão". Mas será possível que é isso mesmo? O esporte que mais movimenta dinheiro no Mundo todo não pode ter empresas dando lucro? Precisa de dinheiro de fora, de "apaixonados" (e bota aspas nisso!)?

Me parece claro que este é um modelo errado, que sobrevive na desregulamentação e se presta a toda sorte de negócios escusos. Se é óbvio que o modelo de gestão do Flamengo tem que ser repensado urgentemente, em algum momento vão chegar à conclusão de que o modelo do futebol como um todo também pede uma reforma, regras que botem ordem nisso aí. Por que não é possível que a base de um negócio multibilionário, a sustentação dos grandes players do mercado, seja essa tal "paixão" dos "mecenas".

Luiz Gonzaga Belluzzo, atual presidente do Palmeiras, começou a se mexer para colocar em pauta no Brasil algumas dessas regras necessárias, puxadas do modelo do esporte profissional americano. Infelizmente, a maioria dos analistas que falaram de sua idéia do teto salarial, baseado em uma percentagem da receita dos clubes, criticou a medida, comparou a "tabelamento de preços", falou que ia contra "regras básicas da economia" e não parece que haja chance disso sair do papel.

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