A licitação do Maracanã, o preço dos ingressos e a elitização do futebol

É inevitável que o estádio fique só pra quem tem dinheiro, restando a todo o resto assistir pela TV?



Saiu o novo edital de licitação do Maracanã. Se nada mudar de novo, em 11 de abril conheceremos (se é que já não conhecemos...) o novo administrador do complexo. Houve mudanças nos termos da concessão - e fico curioso desde já para conhecer detalhes sobre a demolição e reconstrução da Escola Friedenreich e a opinião de sua comunidade sobre a solução dada. Mas os clubes continuam sem poder se candidatar e, pelo que li, não houve qualquer mudança no texto que garanta condições mínimas satisfatórias no acordo que poderá ser assinado para Flamengo, Fluminense ou quem quer que seja jogar por lá.

Acho lamentável que não tenhamos visto nenhuma manifestação pública mais forte da diretoria do Flamengo (e do Fluminense) pedindo a mudança deste modelo. Os interessados deveriam ter se juntado, chegado a termos comuns e colocado claramente o que precisam para que as futuras condições de uso do Maracanã os atendam no curto, médio e longo prazo. Pode ser que ainda o façam e consigam algo na hora de negociar com o futuro concessionário, mas teria sido importante - inclusive para a sociedade como um todo - se isso tivesse sido feito agora.

Fato é que quem ganhar a parada (de novo: se nada mudar até lá...) vai ter que gastar R$600 milhões em múltiplas reformas. Não vai entrar nessa pra perder dinheiro. E neste momento, sem grandes alternativas ou garantias nos termos da licitação, Flamengo e Fluminense entram na negociação em situação claramente desfavorável. Em Minas, por exemplo, o Atlético está batendo o pé na negociação com o concessionário do Mineirão, por acreditar que as condições oferecidas são péssimas - mas apenas por ter o Independência à disposição, em termos vantajosos. Sem esta opção, o Cruzeiro rapidamente aceitou o que lhe foi oferecido.

Se não lidarem bem com isso agora, pode acontecer de em poucos anos o Maracanã se tornar uma desvantagem competitiva grave para a dupla Fla-Flu em relação a clubes que souberem usar ao máximo seus estádios próprios.


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Enquanto isso, anuncia-se ingressos a R$80 para a semifinal da Taça Guanabara. Parece caro, mas vamos ver se a lei da oferta e da procura valida o raciocínio de quem definiu estes preços. Será que o Engenhão estará lotado?

Vale ler a entrevista do Bap ao Urublog, falando da política de preços de ingressos. Ele tem bons argumentos ao falar dos custos impostos pela Federação e das leis de meia-entrada e gratuidades, complicadores mesmo para os clubes do Rio, e do prejuízo que o clube levou em quase todos os jogos do ano passado. Fala também em metas de média de público e ticket médio e em como os números já estão melhorando em relação a 2012. Mas o preocupante, pra mim, é ler sua visão para o negócio: com os anos, inevitavelmente ver os jogos no estádio se tornará cada vez mais caro, algo para a elite, restando ao "povão" assistir pela TV. Fica como consolo que talvez o pay-per-view se torne mais barato.

Acho triste que o caminho seja este. Clubes ingleses optaram por isso e afastaram definitivamente seu torcedor antigo da experiência de ver o time em campo, o que gera protestos cada vez mais frequentes de associações de torcedores. Enquanto isso, o público nos estádios tornou-se mais velho, com menor rotatividade, o que prejudica a renovação da torcida e afeta inclusive o consumo durante os jogos - como são sempre os mesmos frequentando, estes já compraram o que tinham pra comprar. A taxa de ocupação, claro, é altíssima, mas são questões com que os dirigentes já começam a se preocupar. Sem falar em coisas que talvez alguns encarem como romantismo tolo: a atmosfera nos estádios ingleses hoje é fria, muito fria. Nick Hornby, escritor fanático pelo Arsenal que escreveu Febre de Bola, em que descrevia sua experiência no estádio e dividia sua vida de acordo com as temporadas do time de coração, deu entrevista ao Guardian pelos 20 anos de publicação do livro dizendo que o jogo perdeu seu caminho e que ir ao estádio agora é como ir ao teatro.

Na Alemanha, o caminho é outro. Por lá, os ingressos mais baratos custam em média um terço do cobrado na Inglaterra. Há a geral, com dezenas de milhares de pessoas torcendo em pé. Cerveja vendida lá dentro. Assistir a um jogo na geral do estádio do campeão alemão, o Borussia Dortmund, custa menos do que o ingresso cheio mais barato para ver o Flamengo x Botafogo de domingo - e esta geral, a "Parede Amarela", é motivo de orgulho para o clube e apresentada como o ponto alto nas visitas guiadas ao Westfalenstadion. Muitos times também limitaram a venda dos carnês de ingressos para a temporada toda; preferem manter uma percentagem dos ingressos à venda jogo a jogo, para aumentar a rotatividade de público e garantir a mais gente a chance de ver seu time jogando de perto. E a Bundesliga é hoje a segunda que mais movimenta dinheiro na Europa - com a quase totalidade de seus clubes em boas condições financeiras, sem contar com sheiks ou milionários do petróleo despejando dinheiro de origem duvidosa, já que por lá há uma regra que impede que  o controle dos clubes seja tomado de seus sócios.

É uma questão de visão. Cada país tem sua realidade e pode buscar seu próprio caminho. Mas o alemão é, pra mim, muito mais simpático do que o inglês ou o espanhol, por exemplo. E, se dependesse de mim, um clube como o Flamengo sempre teria uma quantidade razoável de ingressos sendo vendidos a preços mais populares. Não parecem pensar muito como eu lá dentro, no entanto, e não apostaria que a volta do Maracanã  possa ajudar muito a mudar isso.

13 comentários:

Marcos André Lessa disse...

André, acho que o Bap preconizar ingressos mais altos, sejam quais forem as suas justificativas, é quase um conflito de interesses. O cara é dono da SKY!

Fernando Almenara disse...

Muito bom seu texto André. Fundamentou muito bem seus pontos de vista e sua visão de futuro.

Se o Flamengo explorar seu potencial financeiro, a renda com bilheteria não será tão expressiva assim, proporcionalmente falando. Talvez seja melhor ganhar menos com bilheteria e mais com o efeito caldeirão.

Eduardo disse...

Quando eles derem um serviço bom que cobrem mais. 80,00 para ver um jogo no Engenhão é assalto.

Eu estava animado, mas recuei com esse preço.
Ah, é jogo transmitido pela Globo ao vivo.

Não dá!!!

Unknown disse...

Extremamente infelizes os comentários do presidente da SKY falando de forma explícita que quer aumentar os ingressos nos estádios e incentivar a venda em PFC.

André Monnerat disse...

"Unknown", só prefiro que quem comente aqui sempre assine. Vou até verificar a configuração, achei que já tinha colocado para não permitir comentários anônimos... Se puder se identificar, agradeço.

Mr. Emerson disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mr. Emerson disse...

O que eu acho mais impressionante é que o BAP expõe todos os motivos que levaram eles a aumentar o preço dos ingressos, mas tem gente que só consegue enxergar BAP -> SKY -> PFC.

Tava na cara que no dia que tivéssemos um clube no RJ com o mínimo de profissionalismo o ingresso iria subir. Como você vai ganhar alguma coisa quando 47% do seu público paga METADE do que deveria, 23% não paga absolutamente NADA e a federação não tá nem aí pra isso e reajustou a cota dela?

A mais de 10 anos que eu não vou a show de rock nenhum porque eu me recuso a pagar 200 paus pra 1h30 de entretenimento. Esses 200 paus só existem porque a maioria esmagadora paga 100 - ou porque são estudantes ou porque são um bando de FDP falsificando carteirinha de estudante.

Shows, cinema e teatro já inflacionados a tempos, o futebol era questão de tempo...

Anônimo disse...

Acho importantíssimo o ponto que citaste da "atmosfera do estádio".

Realmente ir a um estádio de futebol torcer pelo seu time e ficar sentado como se fosse uma partida de tênis em que o juiz pede silêncio para "não desconcentrar o atleta" realmente um saco. Se é para ficar sentado, fico no meu sofá de casa.

Duvido que mais de 80% do público que realmente vai aos jogos de futebol nos estádios do Brasil possa pagar o valor dos ingressos de modo que esta fonte de receita seja importane para o clube.

Os administradores deveriam pensar que, inclusive para a TV, é importante que os estádios estejam cheios, com torcidas empolgadas e enfeitando as "arenas", para dar até mas empolgação para aumentar a audiência e deste modo elevar os ganhos publicitários.

Nunca fiz e nunca li nenhum estudo a este respeito, mas aposto que ingressos caros levarão a um público "de partidas de tênis" e deste modo ninguém mais "cantará e pulará no maracanã" como todos nós já o fizemos com muita empolgação e paixão pelo nosso time. Isto levará a morte do futebol.

Jorgete disse...

como diz o Lucio de Castro(ESPN), os governantes acham que violencia e tumulto, confusão, veem das castas mais pobres. como eles estão "higienizando a cidade", é natural que pretendam elitizar o futebol, este sendo fonte de lucros exorbitantes e tambem de interesses excusos de alguns.

grande abraço, Jorgete

patrick disse...

Há muito tempo não comento por aqui, apesar de sempre ler os posts.
Mas o assunto e a opinião tão bem apresentada retratam fielmente o que penso e também o que mais temo que é a perda de identidade do Flamengo.

Sempre achei um "saco" público de final porque tem muita gente que vai pela festa, pra ver o time ganhar e não pra jogar junto, cantar, incentivar sempre, ter paciência. É o tipo de público que dificilmente aplaude o esforço, apenas a conquista.

E o aumento do preço dos ingressos tem um potencial gigantesco de fazer com que a "torcida que mais acredita" se apresente como uma torcida fria, comum.

Aliás, de uns 5 anos pra cá, a torcida (exceto as organizadas), mesmo no Maracanã, tem apoiado menos o time do que o 'normal'.

Anônimo disse...

Essa desculpa da meia entrada é dada por todos os lados, seja futebol como eventos culturais (teatro, shows, etc).

Agora, em nenhum deles ultimamente se pede a comprovação da meia entrada na entrada do evento.

Ou seja, eu posso comprar meia com a carteira da minha filha e ir ao Engenhão tranquilamente.

E mais, todos os cambistas vendem meia entrada e as torcidas organizadas também vendiam meia entrada.

Se pedissem o documento que comprovasse o direito na entrada do Engenhão, garanto que estes ditos 47% cairiam para uns 20% ou menos facilmente.

Mas isso ninguém quer fazer porque dá trabalho.

Mais fácil aumentar os preços e por a culpa na meia entrada.

Bosco Ferreira disse...

Muito bom esses postes do blogueiro, uma pena que o "prove que não é roubô" nunca deixa meus comentários passarem. Já faz anos. E eu não sou um robô.

André Monnerat disse...

Ué, Bosco, teu comentário taí... :)