E se o gol do Pet nunca tivesse acontecido?

Texto da coluna semanal no FlamengoNet.


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43 minutos do segundo tempo da partida decisiva do Estadual de 2001. Petkovic ajeitou a bola para a cobrança e, ao microfone, o comentarista de rádio Washington Rodrigues avisou: São Judas Tadeu chegara ao Maracanã. O gringo chutou com perfeição incrível - mas não tão incrível quanto a defesa do goleiro Hélton, que saiu um pouco antes da batida para o seu lado esquerdo e tocou na bola com a ponta dos dedos. Ela tocou o travessão, quicou na pequena área e, quando Edílson preparava-se para completar para o gol que daria o tri ao Flamengo, o zagueiro Fabiano Eller afastou o perigo com um chutão. O Vasco conquistou o título, depois de duas derrotas seguidas em finais para o Flamengo. E até hoje, 10 anos depois, todo vascaíno sabe a que se refere alguém quando fala em a defesa do Hélton.

A perda do título foi a gota d´água no ambiente já conturbado da Gávea. Usando algumas declarações de Petkovic na imprensa como justificativa, o então presidente Edmundo Santos Silva rescindiu o contrato do sérvio por "justa causa", como já havia feito com Romário antes. Com fama de indisciplinado e sem ter conquistado qualquer título no país, Pet tinha dificuldades para encontrar espaço em outra equipe de peso, no Brasil ou no exterior. Acabou fazendo uma aposta arriscada: aceitou o convite para liderar o meio-campo do emergente São Caetano, que havia saído da Série B direto para o vice-campeonato brasileiro no ano anterior.

A aposta deu certo. A equipe fez a melhor campanha da primeira fase do Brasileiro, eliminou Bahia e Atlético-MG no mata-mata e, na final, conquistou o título com uma vitória por 2x0 no Anacleto Campanela sobre o Atlético-PR. Petkovic, cobrando pênalti, fez o gol que garantiu o título. Ele ainda permaneceu no São Caetano até a metade do ano seguinte. Sua gloriosa passagem pelo interior paulista encerrou-se com o surpreendente título da Libertadores de 2002, conquistado na final contra o Olímpia, no Pacaembu. Foi seu último jogo no Azulão; em seguida, apresentou-se à Roma, retornando a uma grande equipe europeia.

Pet finalmente pôde afirmar-se em uma equipe de peso na Europa, fora de seu país natal. Fez boas campanhas pela Roma, conquistando uma Copa da Itália, uma Copa da Uefa e chegando a uma semifinal de Champions League. Em 2006, disputou sua primeira Copa do Mundo vestindo a camisa da Sérvia - e logo depois apresentou-se no Al-Itihad, rendendo-se aos petrodólares.


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7 anos depois da fatídica derrota para o Vasco no jogo da defesa do Hélton, o Flamengo ainda não havia se recuperado totalmente de tudo o que aconteceu ao final do mandato de Edmundo Santos Silva. O time chegou a ser rebaixado no Brasileiro de 2001, depois da debandada geral do time vice-campeão carioca - mas não chegou a jogar a Série B, graças a uma virada de mesa contestadíssima pelos rivais. Mas o clube vencera a Copa do Brasil, fizera boa campanha no Brasileiro de 2007, estava se reerguendo. Para afirmar de vez que o Flamengo estava de volta, faltava um grande título. E o sonho da Libertadores havia acabado de maneira frustrante, após o vexame da eliminação para o América do México.

Por isso o título brasileiro era questão de honra. E quando o rendimento do time começou a cair no meio da competição, após muitas rodadas na liderança, Kléber foi às compras. Chegaram Sambueza, Fierro, Josiel, Vandinho, Eltinho, Marcelinho Paraíba - e Petkovic.

Desde a demissão por justa causa, em 2001, que Pet estava na Justiça cobrando por seus direitos. A sua volta ao Flamengo envolveu, então, uma negociação que encerrasse a questão. Kléber Leite mostrava novamente suas habilidades de mago das negociações. E se a grande maioria do pacotão contratado acabou não vingando, a aposta em Petkovic foi certeira: ele fez o meio-campo voltar a funcionar e levou o time ao tão esperado título brasileiro de 2008. O gol do título foi inesquecível: aos 43 do segundo tempo, Pet cobrou uma falta com perfeição e garantiu o empate com o Atlético-PR, na Arena da Baixada, que deixou o Flamengo um ponto à frente do São Paulo de Muricy.

Tá certo que, no ano seguinte, seu temperamento forte voltou a dar as caras e prejudicou o time na tentativa do bicampeonato brasileiro. A idolatria subiu à cabeça, ele dedicou-se demais às filmagens de sua cinebiografia e nunca aceitou bem dividir os holofotes com o recém-chegado Adriano. Mas seu lugar já estava garantido na história eterna do Flamengo. Ele merece as homenagens que receberá este domingo, em sua despedida, no Engenhão.


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Se a perda do tri em 2001 causou uma grande crise no Flamengo, acabou tendo efeitos ainda mais devastadores em São Januário. Com o título estadual, o Vasco garantiu lugar na Copa dos Campeões daquele ano - e, com sua conquista, garantiu lugar na Libertadores do ano seguinte. Era inegável, o Vasco se tornara a grande força do futebol carioca e brasileiro. Com essa moral, Eurico Miranda mudou o estatuto do clube, autoproclamou-se Eurico I e tornou-se soberano vitalício do clube da Colina. A oposição não teve forças para chiar.

Mas o castelo de areia não tardou a vir abaixo. E quando veio o rebaixamento para a Série B do Brasileiro, em 2008, não havia brecha legal para que a oposição liderada por Roberto Dinamite tentasse tirar Eurico I de lá - mas, ao mesmo tempo, não havia mais empresa disposta a associar sua marca a tantos desmandos e insucessos. Hoje, o imperador vascaíno luta nos bastidores, reclamando da perseguição das arbitragens nos jogos semidesertos da Série C do Brasileiro.

4 comentários:

parkyns disse...

Levando em consideração os últimos parágrafos, até que não teria sido de todo ruim.

Paulo Sales disse...

Os milímetros de eternidade que separam o herói do Zé Ninguém. E se Negreiros tivesse dado um título carioca ao Flamengo?

Luis disse...

Resposta seca: o Mengão não teria sido campeão.
Mas Pet e Romário foram e são as 2 maiores sangrias de caixa da história do Mengão. Valeu a pena???

Rafael disse...

"E se Negreiros tivesse dado um título carioca ao Flamengo?"

Seria um Rodrigo Mendes.